sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

"Nos casulos de redundância nascerão borboletas"


Por que será que o belíssimo romance Angústia, do alagoano Graciliano Ramos, publicado em 1936, pela J. Olympio, ainda quando o autor se encontrava no cárcere, nunca fora reproduzido para as telas do cinema? Em vista de tanto material medíocre produzido pelos nossos cineastas, diga-se de passagem, às custas do dinheiro público, num jogo de apadrinhamento,  por que será que uma obra tão rica quanto esta narrativa ainda ganhou fama e notoriedade através da linguagem da sétima arte?

Talvez a resposta esteja no fato de não termos nenhum filme brasileiro como ganhador da estatueta. Seria, então, uma tal incompetência em relação à criatividade dos nossos produtores, diretores e roteiristas? Creio que não! Talvez, sim, falta de atrevimento, ou quem sabe, a leitura dos clássicos, ou melhor, a releitura.

O engraçado nisso tudo, é que o romance Angústia foi elaborado em seu discurso ficcional, todo moldado às técnicas cinematográficas em seu fluxo narrativo, através dos processos de rememoração que incendeiam a obra. Segundo o crítico Silviano Santiago, Angústia é atravessado por três processos de rememoração, sendo os dois primeiros executados pelo narrador-personagem Luís da Silva, e o terceiro, pelo próprio texto.

No primeiro processo de rememoração, denominado de flashback, acontece do primeiro capítulo até o penúltimo, por onde, o primeiro parágrafo ao ser narrado, corresponde no linear, ao fim do enredo, momento em que o narrador-personagem se levanta após um longo tempo. O segundo processo de rememoração, de acordo com o crítico, é produto da memória de Luís da Silva, cujo discurso se apresenta no texto em forma de fragmentos, em micro-narrativas autobiográficas revelando as experiências do personagem ao longo da sua infância e adolescência na zona rural nordestina, onde “a lembrança dos acontecimentos recentes na capital é alicerçada e, ao mesmo tempo, quebrada e explicada pela lembrança de acontecimentos e de figuras humanas do antigo mundo sertanejo, dominado pelos coronéis”, momento em que se funde passado, presente e futuro. Já o terceiro processo de rememoração é arquitetado pelo próprio texto, denominado de interno em forma da parataxe, em frases justapostas, “em que pouco sentido da frase anterior é carreado pela frase seguinte”, como admite Santiago, bem como da superabundância textual, no ir e vir de palavras e frases dentro do tecido narrativo.

O que difere o romance Angústia às demais narrativas de Graciliano, bem como, o classifica como subversivo ao cânone da literatura tradicional, o condicionando como moderno, é o fazer poético que se instaura em seu discurso, pois, se caso fosse constituído num fluxo narrativo linear, apenas os fatos que dão vida ao enredo, como numa sequência lógica: a paixão por Marina, a punição do amante e a autopunição, seria tal romance apenas mais uma entre as variadas produzidas no início do século vinte.

Assim como Clarice Lispector e Guimarães Rosa, Graciliano Ramos norteia o seu fazer literário tendo como peça de engrenagem principal, a própria linguagem, na exigência de um leitor perspicaz, como observa a professora Maria Aparecida Rodrigues, Drª em Teoria Literária, em seu livro Angústia Selvagem, ao r o fluxo da linguagem aliando-se à técnica do cinema no fazer poético Graciliano, onde “o texto funciona como recaptulação ou lembrança, num movimento circular entre presente, passado e futuro, com a finalidade de comunicar e expressar”, em imagens flutuantes que se revelam ao longo do romance.

Ah, como seria bom se este livro caísse nas mãos do espanhol Pedro Almodovar... Já notaram o que ele fez na sua última película, “A pele que habito”, com Antonio Banderas. Imagine agora o que ele faria com o romance Angústia, que embora não tão aclamado tanto quanto Vidas secas, poderíamos dizer que é aquele que carrega em si um maior valor literário quanto à sua construção lingüística.

Pagaria pra ver este belo romance na telona. E você, caro leitor?



Robson Luiz Veiga

Mestrando em Literatura e Crítica Literária


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Neste natal, dê um livro de presente!


Numa noite destas, escapulindo pela tangente às últimas páginas de Perto do coração selvagem de Clarice Lispector, resolvi tomar um suco de laranja a fim de apaziguar a mente, enquanto lá fora caía vagarosa uma chuva fina, daquelas que fazem o corpo todo pedir cama. Ao reparar que sempre tenho um livro nas mãos... sempre que vou aquele recinto... a gerente da lanchonete, alegando que deveria presentear quatro dos seus funcionários com um livro, pois esta era a regra pra quem completa mais uma primavera, me pediu a dica de alguns bons livros para agraciar os colegas.

De repente, me tocou à mente a leitura dos clássicos, porém, vá que a galera não tenha o hábito à leitura – começar pelos clássicos sem uma iniciação poderia fazê-los engavetar o livro, e aí, “tchau Maquelé”, era uma vez um livro. Que me desculpe Calvino. Então, dei um tempo quanto à indicação de Ulisses de James Joyce, Em busca do tempo perdido de Marcel Proust, Guerra e paz de Lev Tostoi, entre outros grandiosos romances que marcaram a história da literatura.

Quanto à literatura nacional de primeira grandeza, poderia indicar Dom casmurro de Machado, embora muito surrado, o enigma sobre os olhos de ressaca de Capitu em meio à febre em reminiscências de Bentinho ainda deixa muitos leitores a ver navio. E é claro, Grande sertão: veredas de Guimarães, um clássico dos clássicos, onde a primazia da palavra se revela no delinear das linhas. Há outros que também que poderia indicar, quem sabe Vidas secas ou Angústia de Graciliano, A hora da estrela ou A paixão segundo GH de Clarice, e outros mais e mais.

Veio à mente, alguns bons livros, com bons enredos e uma estética apurada, de romances lançados a pouco tempo, servindo como uma belíssima viagem no tempo e no espaço. Primeiro vamos à Barcelona, na Catalúnia do pós-guerra, na escrita magistral do espanhol Luiz Carlos Zafon em A sombra do vento, uma leitura mágica, daquelas de prender o fôlego; depois, vamos ao belíssimo romance O leitor de Bernhard Schlink, cuja escritura tem certas passagens memoráveis, encantadoras.

Entre os livros brasileiros lançados recentemente, indicaria Um erro emocional de Cristovão Tezza, um belíssimo romance contemporâneo, bem como o premiadíssimo Se fechar os olhos agora com competente jornalista Edney Silvestre. Isso sem falar nos últimos textos do caro amigo Chico Buarque, tais como, Leite derramado e Budapeste.

Ao terminar o lanche, caminhando em noite fria pelas ruas, sentir na alma uma vontade danada em fazer deste natal uma viagem mágica ao mundo das letras aos meus queridos e amados familiares. Que tal um livro como presente? Sim, um livro!

Assim, rolando na cama comecei a pensar numa determinada pessoa em relação a um determinado livro. E a começar, o primeiro livro que veio à mente foi Cem anos de solidão: simplesmente, uma daquelas jóias raras que se encontram nas areias do deserto, do colombiano Garcia Marques. E pelo jeito, a moda vai pegar. Para os próximos natais, nada de sapato, camisas, bolas, bonecas e cds, vamos de livros. Vá que a moda pegue. E de grão em grão vamos fazendo do Brasil uma casa de leitores...

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Parabéns... hoje é seu grande dia!!!





Eu tenho uma leve impressão que estamos por aqui apenas de passagem: “passageiros de algum trem”. Que entramos neste bonde numa determinada estação. Que andamos por vários vagões durante a longa ou breve jornada. Que ora estamos do lado direito, ora do lado esquerdo... ora no corredor, ora estamos na janela, e que a qualquer momento, em qualquer estação, podemos saltar deste trem, esperar por um tempo e depois entrar em um outro trem, e assim vamos, como no ciclo das quatro estações, onde nem tudo são flores, e a primavera não é eterna, enquanto é claro, por aqui estivermos, pois, embora haja momentos de extrema felicidade, também há momentos em que caímos, levantamos, tornamos a cair, e até choramos. Mas vejamos pelo lado bom das coisas, não há mal nenhum em chorar. É no descer das lágrimas que paramos a pensar que podemos atravessar o rio.

Assim, enquanto nosso minúsculo planeta transcorreu ao redor do sol, num movimento milimetricamente arquitetado por um ser superior, você também caminhou milhas e milhas na soma das variadas manhãs. Neste percurso, deu tempo de avaliar e reavaliar tuas ações, teus falares, teus pensares, e até tuas omissões. Será? Pena que no correr do mundo moderno esquecemos até de bater um bom papo com a lua, de contar as estrelas, de beijar as flores, de molhar o rosto com a água do orvalho que beira logo ali na varanda.

Já parou a pensar na existência? Melhor não! Deixemos isto por conta da filosofia. Agora é hora de acender as velinhas, contar nos dedos as primaveras que se passaram, abraçar os amigos, quem sabe até mandar um cartão postal aos inimigos, “olha, estou aqui, de bem com a vida, em paz com o mundo e com muita vontade em ser feliz!”, e agradecer em cânticos e louvores ao Criador por mais um bolo a ser repartido. Afinal, felicidade ficou pra ser repartida, compartilhada.

De quem será o primeiro pedaço? Creio que isso não importa, pois muitas vezes os últimos serão os primeiros. Virtualmente, poderia dizer que um sorriso teu já bastaria, pois o sorrir alegra qualquer espírito, enquanto mostra que a paz se faz presente, mesmo na ausência, na outra margem do rio.

Por isso, sempre ao deitar, depois de um longo dia, em que o sol deu as caras, sorriu pra ti, iluminando os teus caminhos, é hora de perguntar a si mesmo, como num monólogo interior – será que sou merecedora do dia de amanhã? Só você pode responder tal indagação...

Então, sendo hoje o teu dia, “que a felicidade puxe uma cadeira vagarosamente e encoste-se alegremente ao teu lado para sempre”. E ao anjo bom que está do teu lado, você possa dizer com a voz do silêncio, enquanto todos ao redor cantam os parabéns, “obrigado, Senhor, por mais trezentos e sessenta e cinco oportunidades que terei ao longo dessa estrada a cada nascer do sol”.

Que haja fé, paz e saúde, o resto, no dia a dia se faz! Parabéns, felicidades mil!






Robson Luiz Veiga

Mestrando em Literatura e Crítica Literária PUC Goiás

domingo, 6 de novembro de 2011

Dá até pra ler um livro...


Quando o poder público faz a sua parte, contribuindo para o bem estar da sociedade,  através da entrada de recurso oriundo do bolso de cada contribuinte, temos também que enaltecer o trabalho realizado, numa crítica positiva, da mesma forma quando o poder público pisa na bola, tecemos severas críticas com o teor altamente negativo.

Assim sendo, carregamos as linhas que se seguem para falar carinhosamente da Praça Tamandaré, que agora, está de roupa nova, se preparando ao natal, apresentando um novo e exuberante perfil. De cara, um novo gramado, que aproveita o clima da primavera e bebe alguns pingos de chuva no cair da tarde, deixando o recinto com aroma de flores silvestres... E dá até pra namorar! Logo no interior da praça, novos bancos! Agora de madeira, reluzente e com encosta... E dá até pra cochilar! E por último, uma bela iluminação que circunda todo o interior da dita cuja... E dá até pra ler um livro em meio às “badaladas notúrnicas”, ou melhor, dois livros...

Assim, me pus a caminhar, todas as noites em direção a este privilegiado espaço urbano, no centro da capital do cerrado; sempre contendo em minhas mãos um bom livro. Desta feita, comecei pelos clássicos, afinal, o clima, o espaço e o tempo favoreciam tal leitura – sem barulho, sem poluição, e uma luminosidade feito dia.


Nas noites de terças e quintas, por indicação do professor Éris Antonio Oliveira, Dr. em Literatura e docente do curso de Mestrado em Letras pela PUC Goiás, comecei a minha maratona literária ao sabor da lua, com o belíssimo romance pós-modernista Avalovara, de Osman Lins, que anteriormente, pelo nome, pensara ser um daqueles time de futebol do campeonato espanhol. Mas o nome de pássaro era um livro. Um inquietante livro. Com uma linguagem estranha que até pensei em parar na primeira página e tomar um sorvete com as sutilezas do cerrado. Vai um sorvete de pequi aí? Porém, havia se passado o tempo das narrativas retilíneas e caudalosas, agora, o buraco era mais em baixo, era tempo de narrativas labirínticas, esquisitas, espirais, pós-modernas, narrativas sem pé nem cabeça, cuja norma é está fora da norma, fora da moda, se entregando de corpo e alma ao sabor da linguagem em desconstrução, como Avalovara.


Já nas quartas e sextas, por indicação do professor Paulo Petronílio, Dr. em Educação, docente na área de Letras pela UNB de Brasília, coloquei entre os meus dedos o romance Grande sertão veredas de Guimarães Rosa, um clássico da literatura brasileira pós-modernista, considerados por muitos como o livro dos livros, o clássico dos clássicos, o passaporte aos céus... o mundo de Riobaldo e Diadorim, uma viagem às sutilezas da linguagem.


Como são duas narrativas encerradas em outro patamar literário, distante do mundo ficcional das narrativas tradicionais, “vou deixando a vida me levar” vagarosamente no seio deste outro mundo, sem pressa de chegar à última página, me contentando em ser carregado por uma linguagem levada, diferenciada, regada a várias outras possibilidades em caminhos labirínticos que só o tempo é capaz de socorrer o leitor.


Por isso, vou sem pressa, na calmaria dos ventos e na brisa das noites, sentado num banco da praça entre árvores, amores que passam e a lua a me espiar. Ora o outra, num outro banco, uma leitura em outras mãos, às vezes, conversas ao vento, em outras, casais a sussurrar, enquanto isso, vou viajando nas curvas sinuosas do mundo mágico das letras.


E você, caro leitor, está o quê, nas noites frias que se seguem no velejar da primavera?





Robson Luiz Veiga





Mestrando em Literatura


sábado, 29 de outubro de 2011

Numa feira de livros na Amazônia!

Por acaso, o caro leitor já fora à Amazônia? “Chegou ao Pará, parou, tomou açaí e ficou”, como nos belos versos cantarolados por Pinduca na Avenue des Champs-Élysées, em Paris, como uma das marcas da exportação da cultura das águas paraenses, no caso específico, a dança sensual do carimbó.

Para quem pensa que a Amazônia é formada apenas e simplesmente por tribos indígenas, pororoca, onça pintada, pistoleiros que adoram derrubar sindicalistas a cada virada da lua, precisa conhecer um pouco mais as delícias que se encontram abaixo da linha do equador, tais como, a praia de água salgada mais bela do Brasil – Atalaia, que se encontra ao norte do estado do Pará, no município de Salinópolis; o santuário das águas – Alter do chão, no município de Santarém, às margens do rio Tapajós; os belíssimos versos de Ruy Barata; a doce e encantada musicalidade de Nilson Chaves; o Jornal Pessoal do jornalista Lúcio Flávio Pinto, com toda sua criticidade aguçada e imparcialidade exuberante, bem como, a quarta maior feira do livro em território brasileiro, no caso, a Feira Pan Amazônica do Livro, realizada na capital das mangueiras – em Belém, no Hangar, centro de convenções da Amazônia.

Estive lá no início de setembro. E apesar da dúvida, entre a Bienal do Rio e Feira Pan Amazônica do Livro, em Belém: fui um dos quatrocentos e vinte mil participantes desta última, que teve como país homenageado, a Itália, trazendo no bojo, a voz excitante da cantora Mafalda Minozzi, além de homenagear a poeta belenense, de noventa e três anos, Dulcineia Paraense, um dos nomes atuantes do modernismo marajoara, autora de poemas belíssimos, tais como, “O destino do silêncio”, “Símbolo” e “Retrato”,que na juventude, além de poeta, era cantora lírica, cujas mãos, passeavam levemente nas teclas do piano.

Só uma coisa me intriga quando se fala em feira do livro – por que não termos, ao invés de feira do livro em caráter anual, termos feira do livro que seja diária – e que seja por vinte e quatro horas, desde os primeiros sorrisos do sol, até o último piscar da lua. Pois, já que estamos tão carentes, quando o assunto se relaciona à leitura, apresentando apenas 1,7 livros em média de leitura por cada jovem brasileiro, por que não, então, fazer de cada cidade uma casa permanente de leitores!

Mas, enquanto isso, o governo federal, através do Ministério da Educação, prefere distribuir camisinhas nos pátios escolares, como está previsto a acontecer, do que entregar um livro diário a cada criança. Depois alguém fica procurando os porquês do fracasso em matéria de leitura e produção textual em nossos adolescentes, como se a culpa fosse pura e simplesmente do coitado do professor: lousa, saliva e giz.

Então, enquanto a educação não é levada a sério por nossos governantes, que tal um feira de livros: uma aqui, outra ali, e assim vamos, de norte a sul, correndo atrás dos salões, feiras e bienais do livro, sem esquecer, é claro, como toda mídia do centro-sul do país, que na Amazônia, além do carimbo que apaixona os franceses, há também, uma grande feira do livro – a Feira Pan Amazônica do Livro em Belém do Pará. O único problema é saber se você vai, antes ou depois da chuva das quatro.

Profº. Robson Luiz Veiga

Livros não foram feitos a ficar nas estantes; antes,

porém, passar de mãos em mãos.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O lado poético e transcendental da Matemática!


Outro dia, um professor de Matemática entrou furioso na sala dos mestres durante o intervalo. Segundo ele, tentara de todas as formas, mas os pequenos não estavam conseguindo apreender o mundo das frações. Dava pra notar a decepção em teus olhos. A fúria em suas palavras. O desespero que corriam em suas veias. Então, após lhe passar uma xícara de café, procurei amenizar a situação, olhando pelo lado bom das coisas. “Olha, faz o seguinte: peça cada aluno pra trazer uma laranja na próxima aula. Comece explicando a eles a origem da laranja. Suas propriedades. Seu formato e cores. Seu modo de plantio, produção e colheita. Depois peça para parti-la ao meio, depois, a metade da metade. Por fim, peça as merendeiras para fazer um delicioso suco. E depois de tomar, pergunte pra eles o que os próprios apreenderam nesta determinada aula. Batata! Todos irão dizer coisas mirabolantes e maravilhosas! Pronto!”.

Já labutei por doze longos anos em sala de aula ministrando a famosa disciplina da Matemática, que por sinal, além de ser uma bela palavra proparoxítona, aliás, todas as proparoxítonas são belas, esta palavra também é carregada de musicalidade quando pronunciada lentamente, pura poesia! Daria até, um belo nome de moça – a rainha dos bailes, da graça e beleza!

Mas como ia dizendo, entrei no mundo da Matemática como professor, embora fosse apenas um aluno bem regular em relação a esta disciplina até chegar à antiga oitava série em minha vida estudantil. A partir daí, calcular o valor de delta era minha especialidade. E era nas tardes de outono, antes da famosa “pelada” diária, sempre às cinco da tarde, depois de ler um bom livro, que ficava na varanda refazendo as funções do segundo grau. Uma delícia!

Dos meus trinta anos no magistério, quase a metade dedicada à Matemática, fui descobrir o seu paladar aos poucos. No início, como um professor que adorava planejar, executar e corrigir as provas – um gozo! A cada nota zero, como se fora um gol marcado pelo artilheiro do meu time favorito! Depois de um certo tempo, após centenas de reprovações, notei que o caminho não era aquele, pois o gozo estava se transformando em tormento, assim como a sensação que fora apanhado meu colega logo no início desta crônica.  Não havia mais êxtase em ferrar o aluno, mas um gosto de fel começou a dominar o meu espírito. Foi o que comecei a fazer, mesmo antes de chegar ao grande público pedagógico, a chamada avaliação formativa: deixei as provas e testes e trabalhos escolares de lado. Partir para a valorização do dia a dia, bem como a valorização do próprio ser humano que estava ali na minha frente, trazendo todos os seus saberes, começando a perceber que o mesmo aluno que não sabia calcular o valor de “x”, pois o próprio “x” não era do seu mundo original, era o mesmo ser humano que trabalhava na quitanda onde eu fazia as compras semanais, mas que era incapaz de aborrecer o espírito de Issac Newton, mesmo não usando a calculadora, apenas o lápis, o raciocínio e a experiência. Então, como reprová-lo?

Passei observar, que o que era tão fácil para mim, quando estava com o giz na mão a frente do quadro, era tão esquisito e desconhecido para os meninos e meninas que estavam a fitar os olhos vermelhos à minha frente. Mas quando criança, antes do famoso delta me fazer gostar da Matemática, eu também olhava para o quadro, namorando com todos os números e letras, e apesar de ter brilhantes professores desta disciplina, o cérebro não conseguia captar fortuitamente aquela mensagem. E me colocar no lugar dos próprios alunos, pela experiência estudantil que tinha, descobrir que não era o dono do mundo, e que, por tal razão, deveria ter paciência e perseverança com aqueles olhares clementes que pediam pra conhecer o mundo, não no meu formato, mas no formato que a eles pudessem ser assimilados.

Acreditei que dava pra mudar e mudei! Passei a colocar as notas bimestrais a lápis, só metendo a caneta azul, antes do natal. Abolir de vez a vermelha. E adotei a nota seis como a menor nota numa escala que iria até dez, pois, aqueles que ali estavam à minha frente, tinham muitas coisas a me dizer, com suas vivências e experiências. E passei a adotar o seguinte lema: aqui, eu sou apenas o seu orientador!

Certa vez, a geometria através do quadro não estava sendo engolida como deveria. Então, passando por várias metodologias em sala de aula, resolvi levar todos para quadra. Lá, eles perceberam as variadas formas geométricas com os próprios olhares, e com uma trena, passamos a calcular na prática, áreas, perímetros, diâmetros, e o diabo a quatro, e todos os segredos que os livros, até aquele momento teimara em esconder. Foi tudo uma questão de acreditar que a danada da Matemática poderia e deveria ser vivida de uma forma diferente, e por que não, de uma forma poética de ser e de estar. Não é que deu certo!

Profº. Robson Luiz Veiga

Mestrando em Literatura e Crítica Literária PUC Goiás

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

IDEB na porta das escolas? Estão brincando de fazer educação!



Educação se faz com vontade política,

acima de tudo, e não com placas insignificantes à porta das escolas!
 

Embora o nome da moda nos meios políticos em relação à educação, seja do economista, Gustavo Ioschope, adotado como mais novo guru educacional, inclusive, em Goiás, creio não ser prudente, atribuir as mudanças no mundo educacional, partindo da casca do ovo à gema, antes, porém, do diálogo com quem sente na pele o ardor entre as quatro paredes, no caso, os próprios professores.

Educação não se faz ao léu. Educação se faz com comprometimento, vontade política em querer mudar. Em transformar os discursos em época de campanha eleitoral, passando de seres abstratos ao concreto. Pois no palanque, todos, oposição e situação, são solidários a dizer que irão melhorar a educação passando por três tarefas a cumprir: primeiramente, salários adequados aos profissionais em educação, e quando se diz salário adequado, não me refiro ao tão famoso piso, mas uma remuneração que faça do professor um verdadeiro profissional em educação, como tantos outros no mercado, se não for assim, é balela; em segundo lugar, o que todos prometem no horário político: melhorar as estruturas físicas escolares, não apenas abrir uma porta entre quatro paredes e dizer que ali se encontra uma escola; e em terceiro, condições aos educadores ao aperfeiçoamento profissional, pois o mundo gira, “o tempo não pára”, como diria Cazuza, apenas em termos de educação. Esses são os três pilares a fomentar uma educação de qualidade em qualquer território brasileiro, fora isso, é conversa pra boi dormir!

E o que dizer de uma placa com a nota do IDEB na porta de uma escola? Poderíamos dizer, abuso de poder? O quem sabe, falta de projetos na mesa a fim de alavancar as próprias notas do IDEB tirando da gaveta da burocracia as ferramentas que poderiam fazer surgir os três pilares expostos acima? E cá pra nós, não é nenhuma placa que irá fazer a mudança tão almejada por todos em matéria de educação, mas a vontade política dos nossos governantes em fazer a mudança.

E como escrevera a professora Magda Soares em seu livro Linguagem e Escola – uma perspectiva social, argumentando sobre o fracasso escolar que vem se arrastando durante décadas, não é a escola a vilã da história, pelo contrário, o muito que temos, damos graças aos nobres professores que fazem milagres a cada levantar do sol, pois “a solução estaria em transformações da estrutura social como um todo; transformações apenas na escola não passam de mistificação: não surtem efeito, e parecem mesmo ter o objetivo de apenas simular soluções, sendo, na verdade, um reforço da discriminação”, que arrasta desde quando se criaram a escola pública no Brasil.

Então, secretário, para revolucionar a educação em Goiás, guarde as placas no almoxarifado, retirando da gaveta os três pilares na construção de uma educação de qualidade.

Enquanto isso, o Governador do Estado do Ceará, Cid Gomes, em declaração aos profissionais da educação daquele estado, manifestou todo seu amor e paixão ao ensino público, "Quem quer dar aula faz isso por gosto, e não pelo salário. Se quer ganhar melhor, pede demissão e vai para o ensino privado."


Que beleza! Está difícil pensar em educação de qualidade neste país!

Profº. Robson Luiz Veiga

Ah, esses versos teus!


Todos nós sabemos que a net é um mundo meio híbrido, tendo muitas coisas boas e outras ruins, e que num click só, se vai do céu ao inferno, por isso, precisamos garimpar com cuidado a fim de encontrar uma pepita daquelas, e às vezes, quando menos se espera, uau!

Foi assim que aconteceu numa certa madrugada em que o sagrado sono havia tirado uma noite de folga e não me avisara. E como não havia nada de bom na TV, resolvi passar o mouse sem nenhuma pressa, afinal, em noite de insônia os minutos não correm, tartarugam.

Foi assim que me deparei, frente a frente, com aqueles belos versos, estampados numa página do facebook titulado de “Vamos Fazer do Brasil uma Casa de Leitores”.  Logo notei que sentira o cheiro da infância invadir minha’lma, se revelando a cada linha, em curvas a puxar o ponteiro do relógio no seu reverso do tempo, a me chamar a brincar numa manhã de domingo logo depois da missa, “ciranda que roda, que gira no verso da canção de ninar... da roda que gira... que gira e que roda, trazendo o barulho do riso a brincar”.

Nossa! Sabe quando a gente se perde no tempo e no espaço em busca de fôlego! Pois, é! Assim eu me senti ao ler e reler os belíssimos versos da professora de Linguística Cássia Rodrigues, um dos pilares da Academia de Letras de Trindade, com o seu poema “ciranda de roda”. Principalmente quando entrei vagarosamente na segunda estrofe – carregada estava com suas antíteses e aliterações, como um balanço de corda a me levar, “trazendo no vento o canto a cantar”.

Como diria Borges, acreditei na poesia daquelas palavras e fui tragado pelo mundo dos sonhos, envolto pela musicalidade de cada verso que rompia junto com a manhã que nascia por entre prédios, deixando para trás um rastro de saudades.

Aí, de relance, após um filme silenciar o meu presente estado por alguns instantes mágicos, pensei nas atuais brincadeiras de roda. Mas onde estão as rodas, ou para onde foram? Hoje não há mais cirandas, como a “ciranda cirandar, dar meia-volta, meia-volta dar, e de novo rodar e cantar... rodar, girar e voltar a cantar, no ritmo do verso da canção de ninar”.

Hoje a criança é futurista, brinca com o mundo virtual. Elas não sentam mais nas calçadas a conversar, ouvir e contar histórias, tendo como teto o sorriso das estrelas e a graça da lua, nem “O canto do conto, do ponto da história a contar, do balanço que vai... e que vem... Que vem... e que vai... Trazendo no vento o canto a cantar”.

Talvez venha daí o declínio do romance, como diria Borges, o fato de narrar uma história e cantar um verso ao mesmo tempo como nas grandes epopéias, pois não somos nem capazes de ouvir estrelas enquanto as crianças se amontoam ao pé das lendas como se fazia antigamente ou nem mesmo brincar de ciranda de roda. Será que este é o canto da contemporaneidade, ou apenas o retorno do bicho homem à idade das cavernas, só que desta feita, um primata virtual? Creio que minha avó não gostaria nem um pouco desses novos tempos pós-moderno.

Profº. Robson Luiz Veiga

Homenagem à professora e poeta Cássia Rodrigues mestre em Linguística pela UFG

quinta-feira, 30 de junho de 2011

o último romântico


Acredito, fielmente, que a filosofia deveria ser concebida como disciplina desde as séries iniciais do ensino fundamental, bem como, a poética deveria estar presente em todos os cursos de graduação. Pois acredito que tanto a filosofia tanto quanto a poética faz o homem pensar, refletir, buscar, abrir portas, correr mundo, pular muros, subir montanhas, cair ladeira abaixo, repensar a vida, o homem, a humanidade, e etc e tal e tal...

Pois, imagine uma criança ao lado de um adulto, tendo em sua volta um mundo com todos os seus contornos e coloridos – perguntas hão de surgir... e surgem! Mas, as respostas a tantas indagações não chegam a caminhar na mesma estrada, daí, o filosofar parece inevitável, pois aos olhos das crianças, perguntas nascem daquilo talvez que para o adulto seja o nada, ou às vezes o impensável ou inquestionável.

Desde quando abrimos os olhos, e passamos a sentir o mundo em toda sua completude, perguntas hão de surgir, e daí, porque não tratá-las em sala de aula desde a infância com as devidas invertidas que elas merecem. Mas logo surge o “não”, bem normal em bancos escolares do ensino fundamental e médio. Talvez porque as próprias escolas em seus sistemas educacionais caducos estão à margem da contemporaneidade, feito locomotiva que ainda caminha em trilhos bambos sem saber o destino da última parada, pois as locomotivas a vapor não rodam mais.

E quanto ao discurso, ainda em criança – o que importa são os questionamentos, as observações, as constâncias de lacunas abertas deixadas pelas inquietações sumárias sugeridas pelo cotidiano. Porém, a escola embebida pela musicalidade em notas frias do medieval, empurra as indagações ao devir. E aí, é onde mora o perigo, pois sem a filosofia e a poética, crescemos atrelados aos dogmas que a sociedade no vindouro não conseguirá responder, e assim como as doces palavras do poeta maior, “há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons”, ao chegar à época das desconfianças, lançamos os marinheiros ao mar, “sem lenço e sem documento”, e também sem vela a velejar.

E, ai do homem que procura respostas em quadrados sem portas e janelas. Furamos o teto, ou saímos pelo subsolo? Melhor seria educarmos nossas crianças no jardim – de cara pro vento, à sombra de uma castanheira, sem temer as indagações pueris, a vontade do filosofar, do cantar de versos, de repassar os dados e deixar rolar as palavras em círculos, mesmo que tais círculos não sejam circulares aos extremos, pois, quando a palavra toma conta do dia, até a noite pede licença para chegar um pouco mais, como se fosse verão o tempo do discurso em filosofar e poetizar.

Robson Veiga
publicado no jornal da manhã - goiania - dia 29 de junho de 2011

domingo, 19 de junho de 2011

uma viagem no tempo e no espaço

Certas imagens que encontramos no cotidiano nos empurram a certos livros que já lemos com o passar dos anos. Às vezes são imagens simples, como um flamboyant no outono, clamando pela primavera, ou um homem com os cabelos grisalhos e a pele marcada pelo tempo, sentado no banco da praça observando crianças brincando no jardim, ao pensar em tempos idos que não voltam mais, a não ser em pensamentos, ou a despedida de alguém na estação ao último apito do trem, ou uma cidadezinha do interior realçando em nossos olhos toda sua ternura em relação ao tempo que passa vagarosamente em silêncio, como as sábias e encantadoras palavras de Drummond. São imagens que perturbam ou incomodam o pensamento, nos jogando ao longe, ao adentrarmos novamente no jogar lingüístico de um bom romance. Assim acontece comigo todas as vezes que entro na primeira sala da casa de Dona Nice, uma senhora bem cuidada ao longo dos seus quarenta anos. Logo na entrada, deparamos com um quadro exposto na parede, contendo ali, cinco gerações de uma mesma família, estando a senhora acima mencionada no meio, no centro da imagem, e logo a sua direita duas gerações anteriores – mãe e avó; e a sua esquerda duas gerações posteriores – filha e neta.

Assim, ao parar de frente ao quadro, logo sou enviado a pensar na saga da família Buendía, desde a fundação da cidade de Macondo até a sexta geração, quando a linhagem é encerrada, saindo da realidade e entrando no mundo fictício da obra-prima do escritor colombiano, nascido em 1928 e vencedor do Nobel de Literatura de 1982, Gabriel Garcia Marquez, ao relembrar do belíssimo romance “Cem anos de solidão”, publicado em 1967, através da magia que envolve os personagens deste enredo, que é considerado por muitos, como um clássico da literatura latino-americana, e sempre relacionado como um dos três grandes livros que não pode faltar na estante.

O realismo fantástico presente na história de “Cem anos de solidão” gira em torno da família Buendía, iniciada pelo casal de primos, José Arcadio Buendía e Úrsula Iguarán, mostrando os encontros e desencontros ocorridos que marcam toda a narrativa até que o último Buendía, com passagens poéticas e de extrema beleza ao encantamento da linguagem literária.

Só uma dica pra quem está a fim de fazer essa viagem na saga da família Buendía: prepare um fim de semana especial, só ler o livro, sem tormentos, sem amigos bobos ao lado, sem exterioridades que não caibam na leitura, ou seja, esqueça o aqui e agora, e de preferência, debaixo de um belíssimo flamboyant na primavera ou quem sabe, de frente pro mar, pois você irá se encantar e se apaixonar de novo, e quando chegar à última página, dirá aos céus: “poxa! acabou... queria mais”. E aí, com certeza, daqui a dez anos você vai reler essa belíssima narrativa mística de Gabriel Garcia Marquez, tendo mais de trinta milhões de exemplares vendidos em todo mundo, e sendo endossado pelas palavras de Pablo Neruda como o melhor romance em língua espanhola desde Dom Quixote de Cervantes.

Robson Veiga

quarta-feira, 18 de maio de 2011

abençoada arte do cerrado

Poderíamos dizer que Goiânia, bem como as suas adjacências, é um lugar abençoado por Deus em matéria de arte e cultura, ainda mais se pegarmos como objeto de estudos e devaneios a Literatura, expressão máxima da arte, tanto em versos como em prosa – e no caso desta última, vamos falar da crônica, especificamente da crônica lírica, tomando como exemplo o brilhante texto produzindo especialmente para o Diário da Manhã, desta semana, da escritora Clara Dawn, “Coador de papel”, simplesmente uma viagem lírica entremeando quatro gerações batizada pelo gosto do mesmo lugar.

Ao ler este texto, vaguei em espírito por alguns instantes ao longo das minhas lembranças, quando era menino ao cheiro dos jenipapos nas terras doces do Ibituruna em Governador Valadares, trazendo comigo todas as matizes em crianças da década de 70. Fui capaz até de sentir aquele cheiro gostoso de café mineiro que exalava por todo quarteirão, que minha avó fazia, acordando toda vizinhança em estado de graças – que seja bem vindo do dia, que seja bem vindo o sol.

Foi assim que me sentir ao ler a doce poesia traduzida em prosa, esbaldando em ritmos e musicalidades, o que não é obra do acaso, mas do trabalho do artista da palavra, que não nasce da noite pro dia nem no pular de salonguinhos, mas da força que move a arte – como assim descreveu em puros versos metalingüísticos nosso poeta maior, “Gastei uma hora pensando um verso que a pena não quer escrever. No entanto ele está cá dentro inquieto, vivo. Ele está cá dentro e não quer sair. Mas a poesia deste momento inunda minha vida inteira”, de Carlos Drummond de Andrade, ao retratar o trabalho ardiloso do artista, o que dignifica sua arte, ao diferenciar o texto dignamente poético dos demais rabiscos no papel, criados somente através da inspiração.

Notadamente, faz gosto de ler este texto da nossa Clarinha, pois na atualidade são poucos aqueles que consegue tingir no papel uma crônica de qualidade, permeando tempos opostos ao buscar o poético, o passado e o presente deixando suas marcas no explicitar de cada linha – levando o leitor ao lugar das reminiscências, sem deixá-lo fugir para sempre, pois o futuro é logo, já não existe mais o presente, como expresso no seguinte parágrafo do texto mencionado – “O cheiro do querosene que fluía da cera se misturava com o perfume amadeirado que saía das toras de eucalipto, enquanto o fogo lhe queimava as fibras, o ambiente era embalado pelo som eufórico do pino da panela de pressão... Eu ri, minha vó está moderna demais. O que foi feito do velho caldeirão de ferro?”. Puras imagens em forma de poesia, dando sentido à palavra.

Tomando assim, costumo dizer aos mais jovens que o tempo não pára (Cazuza), e que o instante já não é mais o agora, por isso, faço questões de dizer-lhes, que não é hora de dormir, mas de ler um livro, de desafiar as estantes e debulhar o milho, viajando pela imensidão do tempo e do espaço, mesmo que seja em espírito, pois no futuro, não terás uma alma medíocre, mas sim, um Ser em constante formação e construção, sabendo que o amanhã não existe, e que no passado, só as lembranças nos interessam, e “se chorei ou se sofri, o importante é que emoções eu vivi”.

Robson Veiga

terça-feira, 17 de maio de 2011

uma viagem ao mundo mágico das letras

Este era o título do projeto educacional com o objetivo de incentivar a leitura entre os jovens estudantes, que desenvolvi numa escola estadual nos últimos três anos – Uma viagem ao mundo mágico das letras. Tudo surgiu por acaso, como no acaso de uma grande paixão, ou um caso de amor. Simplesmente a diretora da escola chegou pra mim numa noite de frio e me mostrou uma sala morna abarrotada de livros, porém, abandonada havia tempo – é toda sua, foi o que ela disse, saindo vagarosamente pela via lateral.  Por um momento me senti um peixe fora d’água: sou professor de literatura, não um bibliotecário! Mas a leitura estava no sangue e na alma, pois sempre gostei de ler: jornais, revistas, versos e prosas, enfim, tudo que tivesse palavras em suas linhas. Já na primeira semana, ainda espanando os vermes que por lá habitavam, deixando apenas aqueles famosos de Augusto dos Anjos, fui alvejado de surpresa, atravessando o pátio, por um olhar faminto e carente por cultura de um menino que me parou de repente – Ei, professor, está lendo o quê¿ Naquele momento, eu estava me familiarizando com Hassan, um dos personagens do romance O caçador de pipas de Khaled Hosseini, e sua enigmática frase pronunciada ao seu melhor amigo, Amir, “Por você, eu faria isso mil vezes”, adentrando nessa belíssima amizade, marcada por amor e ódio ao longo das quase quatrocentas páginas. Como nunca fui de esconder os livros nas estantes, pois sempre tive em mim que os livros não foram feitos a ficar nas estantes, antes passar por mãos e mãos, acabei cedendo àqueles olhos famintos a me dizer – gostaria tanto de ler este livro. Isto, após olhar a capa, a resenha do livro, a quantidade de páginas, e algumas palavras sobre o livro que havia jogado ao vento aos seus ouvidos. Mas palavras ao vento se tornam perigosas, então, emprestei o livro ao garoto, ainda no primeiro capítulo. Com a certeza de que o menino haveria de demorar uns quinze dias ou mais, procurei logo pedir via net um novo exemplar da história de Hassan, porém, para minha surpresa, o jovem estudante havia chegado para mim na outra manhã, com os olhos vermelhos e sonolentos, como quem não dormira na noite anterior – professor, madruguei de olhos abertos, não consegui dormir, amei esta história. Que bom! Mas ele não veio só, em sua companhia havia mais dois colegas lutando entre si para ver em qual das mãos haveria de ficar o livro na próxima madrugada. Aquilo foi a tempestade que faltava na mansidão de todos os dias. Haveria de comprar mais três exemplares do mesmo livro. Daí em diante, comecei a passar com livros de sala em sala expondo oralmente a resenha dos livros, muitas vezes até no pátio, ou na entrada da escola. Geralmente entrava com trinta livros e saía com as mãos abanando. Foi uma febre! Um delírio! No primeiro ano, mansamente, chegamos a trezentos e sessenta e oito leituras; no ano seguinte, evoluímos bastante, pois fomos para mil e duzentas leituras; já no terceiro ano, batemos o recorde em matéria de leituras não-obrigatórias estudantis – foram mil e oitocentas leituras. A cada livro, os alunos viajavam no tempo e no espaço, vivendo outras realidades, conhecendo novas personagens, novas culturas, novas imagens. E dava pra ver e sentir o estranhamento que a literatura causava em cada um.

Robson Veiga

quarta-feira, 27 de abril de 2011

quando o rio narra as suas dores em forma de versos!

Pode um rio narrar o seu próprio curso, bem como narrar a sua própria história? Se partirmos para a compreensão do mundo real, tangível, em toda sua concretude, obviamente que não! O rio não fala, apenas desce mansamente as corredeiras rumo ao mar. Porém, se considerarmos o poder das palavras, através da criação artística, por meio do objeto literário, podemos dizer que sim - o rio, não mais como elemento natural, mas como sujeito-personagem-narrador do poema, O rio, de João Cabral de Melo Neto, sendo o rio poeta, o rio filósofo, é capaz de falar e fazer denúncia ao correr da pena das mãos do poeta, tornando-se o sujeito de suas ações, ao expressar em suas faces a sua história: ficção e realidade ao mesmo tempo. Assim, descreveu a doutora em teoria literária, a professora Maria de Fátima Gonçalves Lima, em Pesquisa em Linguagem, editado pela PUC de Goiânia, no artigo - O discurso do poema “O rio” de João Cabral, defendido na XXI Jornada Nacional de Estudos Linguísticos, em Recife, no ano de 2006. Neste belíssimo poema, formado novecentos e sessenta versos, divididos em 60 estrofes, em composição assimétrica, o rio narra a sua própria história, como num romance medieval, a ser transmitido oralmente à população ribeirinha das margens do Capibaribe, como postulava o teórico alemão Walter Benjamin, cujo eu-lírico expõe suas lembranças, experiências e sentimentos de uma realidade vivida e presentificada através do texto, ao descrever a peleja dos homens sertanejos do sertão pernambucano, em sua dureza de vida, numa odisséia dos rios e dos homens, num pessimismo Shopenhauriano, como em Dores do Mundo, traduzindo e revelando o mundo real, não apenas como representação do mundo exterior, como cópia do real, porém, como transfiguração deste mundo real, através da criação literária, numa personificação do rio, que ganha voz e pensamento, ao enunciar “preferi essa estrada/ de muito dobrar,/ estrada bem segura/ que não tem errar/ pois é a que toda a gente/ costuma tomar/na gente que regressa/ sente-se cheiro de mar”. Nesta obra, a imagem ganha força, em meio à materialização figurativa da linguagem em consonância com a presentificação da realidade do mundo do rio em questão, na realização do irreal, atributo que só a obra de arte possui, defendida por Lefebve, fazendo com que o texto, enquanto objeto artístico literário, se abra ao mundo exterior, e enquanto obra artística, se fecha sobre si mesma, numa conotação reflexiva. Assim, a voz poética encarna-se em rio, por meio da prosopopéia, que atribui o discurso literário ao rio-poeta-narrador-personagem, criando uma renúncia do discurso humano, refletido formalmente no corpo do texto poético através da irregularidade métrica de seus versos, ao exprimir a desumanização do próprio homem, em face ao estranhamento do ser da própria arte, que não apenas representa ou copia o mundo exterior, mas presentifica a realiade por meio do discurso-rio, e não, humano. Aí, caro leitor, o que diriam os outros rios, que ora são quebrados e desviados pela ação humana por meio das usinas hidrelétricas que regulam as margens destes rios, por vezes alterando o habitat das populações ribeirinhas, bem como a história de determinadas cidades ou vilarejos que não mais existem, ou que ora são contaminados e mortalizados como é o caso do rio Tietê que corta a maior cidade da América Latina. Por enquanto, ficamos apenas com o discurso em forma poética do rio Capibaribe – discurso literário, emoldurado feito arte, que embora publicado há mais de seis décadas, ainda continua latente como água doce que bate nas pedras, com suas assonâncias e aliterações - fazendo curvas, olhando cenas, descendo vivo ao leito do mar.

Prof. Robson Veiga

Especial para o Diário da Manhã

segunda-feira, 4 de abril de 2011

quando um político pensa que é um deus grego!!!

Por acaso o caro leitor já se deparou com dois políticos conversando em intimidade entre quatro paredes? Não queira: assim como dizia os belos versos de Drummond, “a poesia é incomunicável, fique torto no seu canto, não ame”, não diga nada, não conte, não peça! Pois bem, todo político pensa que é dono da verdade absoluta, o todo poderoso. Assim se deu no último dia 31 de março, dia em que os generais comemoram, aliás, comemoravam, o “dia da liberdade”, o dia da integração nacional, enfatizando a soberania da nação frente à retirada dos comunistas em solo brasileiro - dia da revolução, como ficou conhecido por um lado há história. Pois bem, a nossa digníssima presidenta Dilma Rousseff cortou literalmente na alta uma palestra que seria proferida por um certo general aos aspirantes, em nome da revolução que “salvara” o país das mãos dos guerrilheiros, iniciando o chamado golpe militar, parodiando Chico Buarque, “cale-se”, afasta daqui este cálice. Porém, no bojo das incongruências políticas, que fizeram parte da nossa história, ninguém ainda foi condenado pelos trezentos e cinqüenta milhões dos contribuintes que foram pelo ralo durante o mensalão, e ainda tem gente que jura que tudo não passou de intriga da oposição, se bem que tal recurso poderia ser entregue em forma de cultura, em livros, bibliotecas, aos nossos jovens estudantes da educação básica, que, como demonstram os números, estão carentes, pois não conseguem sair do nível 1, enquanto os demais países estão em nível cinco ou seis numa escala de conhecimento relacionados à leitura e interpretação matemática e lingüística. Mas, retornando à ordem do planalto quanto à referida palestra, a ditadura parece ser mesmo o caminho daqueles que, quando estão abaixo da linha da cintura, ao chegar no poder desconhecem os caminhos por onde assinalam o regime democrático de direito. Assim, ocorreu nos países chamados socialistas de décadas passadas; assim também ocorreu com Cuba, e a nossa vizinha Venezuela; bem como, assim também ocorre com aqueles que levantam certa bandeira de algum sindicato – a finalidade sempre é a conquista ou fazer parte do poder, por muitas vezes sendo indiferentes quanto aos meios, pois os fins os justificam. Com nisso, me lembrei de um ocorrido meio inusitado há dois anos, quando levei sessenta estudantes à Feira Panamazônica do Livro em Belém do Pará, por sinal, na quarta maior feira do livro do Brasil. Bom, ao chegar no recinto, logo fui aos estandes à procura de um livro a pedido de uma colega de escola, que por muito queria ler o livro “Honoráveis Bandidos”, do escritor Palmério Dória, que por razões que o público não chegou a conhecer, por falta justamente do adormecimento da mídia, o livro não se encontrava nas prateleiras, pois, havia sido comprado todo estoque antes mesmo da abertura do evento, sabe lá, Deus, por quê! Como sou persistente, caminhei por todos os estandes, até o momento em que já estava desistindo de procurar, vi lá no canto, quase em abandono, uma pequena livraria, cujo atendente prontamente se dispôs a ir até o estoque à procura de um exemplar, “bom meu cara, todos os livros que tínhamos foram vendidos, porém, deve ter algum no estoque, pois houve uma encomenda de um determinado professor, mas já estamos fechando a feira, neste caso, vou trazer um pra você”. Pelo título, um paradoxo, “Honoráveis Bandidos”, pra se notar que o tal livro é de chamar atenção, mas bem mais é o conteúdo, que caso, leva o caro leitor a se aprofundar nas mazelas que rolam entre quatro paredes quando junto estão dois ou mais políticos. Sendo assim, parabenizo mais uma vez a direção do Diário da Manhã, pelo fato de ser um veículo de comunicação, diferenciado dos demais, mesmo em relação aos grandes nomes, justamente pela singularidade, ao deixar em suas páginas, espaço aberto e democrático, para que todos os leitores possam assim devanear as suas opiniões com os demais. Isso, sim, é estar em um regime democrático de direito.

Prof. Robson Veiga

sexta-feira, 1 de abril de 2011

de santa à prostituta!

Outro dia, estava eu debaixo dum enorme flamboyant na Praça Tamandaré, como de costume matinal, lendo o Diário da Manhã, quando de repente, reinou o silêncio na redondeza de todos os bancos próximos àquele em que estava sentado. Olhei para um lado, olhei para outro, depois para frente, abaixei o jornal, e vi que todos os homens que ali estavam a lavar os costumeiros veículos, deitaram suas mangueiras, desligaram suas bombas, calaram suas vozes, e sinalizaram com olhares para o mesmo ponto. Ao perceber matematicamente o cruzamento de todos os olhares ao mesmo lugar, caminhei mansamente também o meu a tal congruência, virando o pescoço até chegar ao objeto em questão. Neste momento, do meu lado esquerdo, alguém soltou levemente a voz, “sabe, há muito tempo que essa dona não passa por aqui, ouvir dizer que agora, se transformou... numa metamorfose como uma borboleta, largou o marido e filhos, e vive agora a bestiar por aí com outros homens... pelo jeito, cansou de ser santa, agora pega o primeiro que encontra na reta, ou quem sabe, nas curvas que a vida dá”. Logo notei, pela aparência, que se tratava de uma bela dona, fisicamente de parar o trânsito, daquelas cuja brasilidade se faz notar aos adjetivos que logo saíram de bocas apetitosas daqueles que por ali estavam. Por alguns instantes, o mundo parou, mas não os olhares lascivos que escorregavam até o ponto de ônibus, por onde depois, a dita cuja sumira ao passar do primeiro coletivo. Creio eu, que por lá também o silêncio pediu passagem, enquanto por aqui, a vida voltou ao normal. Assim, imitando a realidade, fechei o jornal e recobrei da memória por onde havia visto tal cena, em algum texto, em algum livro. Depois de um tempo, me lembrei da leitura de um conto da literatura portuguesa, precisamente do escritor Eça de Queirós, o maior nome do cenário das letras em terras lusitanas do século dezenove, sendo publicado em 1.880. Era o conto No moinho, belíssima narrativa curta cuja temática era embasada na mudança comportamental de uma mulher, que por ora era santa, uma fada, enfermeira, mulher dedicada à família, “uma senhora modelo”, para depois, a partir do afloramento do desejo propiciado pela presença de Adrião, primo do marido, bem como, a partir das leituras de narrativas românticas, modelares ao romantismo, a nossa personagem, Maria da Piedade, se transformou em mulher adúltera, deixando de lado os afazeres domésticos e piedosos, tais como, cuidar da família adoentada e inválida, como eram o esposo e seus três filhos. Poderíamos dizer que se trata de uma narrativa realista, pois o narrador tece uma crítica à estética anterior, no caso, a estética romântica; bem como naturalista, quando percebemos o aspecto hereditário, ao retratar o narrador, características patológicas aos filhos, advindos do pai – era uma família de inválido, “de sangue viciado”. O que sobressai na narrativa, num processo de construção literária, é a simbologia presente em variados signos no texto, a começar pelo próprio título, pois “no moinho”, representa vazão vagarosa e silenciosa da nossa protagonista, que ao longo da narrativa deixa escapar, por intermédio do narrador, do leito de uma grande represa de monotonia e desprazer, um certo desânimo pela vida que levava, “que apesar dos seus cuidados inquietos, acabrunhavam-na”, pedindo passagem no cortar das linhas para um outro norte, que seria ao final, uma transformação, de virgem à mulher adúltera, de “santa à Venus”, tomada pelo afloramento do desejo após o beijo roubado por Adrião à beira do moinho. Poderíamos assim dizer, que Eça toma da realidade uma temática universal, como a que acabamos de notar ao lado do flamboyant, para ficcionar, há mais de cem anos, uma aparência daquilo que a vida nos revela desde quando o homem é homem.

Profº. Robson Veiga

quarta-feira, 16 de março de 2011

saraminda - mulher dos seios dourados como ouro

Ao ler um livro, tendo-o ainda fechado em nossas mãos, é como se tivêssemos apenas o bilhete da passagem de ida, pois, assim como uma viagem ao lugar desconhecido, segundo o crítico e filósofo Auri Cunha, a surpresa e a experiência é o que não podemos evitar, através das linhas de um romance, levando-nos às vezes ao agrado, ou ao desagrado, como fruidores, segundo a consciência que temos em perceber a alteridade na determinada obra, não como aparência da realidade, mas como elaboração transfiguracional através de símbolos em forma de palavras. Assim, é a sensação de ler um bom livro. A gente viaja pelo mundo imaginário e solto das palavras, num breve devaneio. Então, o que dizer de Saraminda, romance de José Sarney, lançado em seis idiomas, em comparação com as telas de Renoir – Le Moulin de la Galette e Jeunes Filles au Piano. Seguindo as linhas do pensamento filosófico-literário do renomado Professor Éris Antonio Oliveria, doutor em teoria literária, no seu estudo comparativo, editado no livro Pesquisa em Linguagem 2, envolvendo a literatura e a pintura – o ficcional e o pictural, tendo por destaque a similaridade do fulgar das cores em ambas as obras, notamos em Saraminda, a protagonista apresentada na obra como uma mulher de seis dourados, simbolizando a riqueza material assumida no cenário ficcional, tal qual as telas de Renoir em questão, em que o amarelo ouro se destaca, descrito pela luminosidade, em relação ao cenário adjacente, em contraste com as outras cores, transcendendo a natureza, enquanto criação ideal, em sua objetividade, assim como postulava Plazaola, em Introdução à Estética. Quanto à Saraminda, em suas temáticas relativas ao amor, a luxúria e traição, o leitor é levado ao deleite ficcional através da palavras descritas pelo narrador, como sendo uma mulher que “tinha olhos verdes, cabelos lisos que escorriam nos ombros, a pele cafusa, peitos firmes, de cones finos, que pareciam castanheiras eretas, linheiras, que não dobravam na ventania”, como uma personagem que herda os traços históricos familiares advindos da avó - que era dona de um cabaré aos apetites dos marinheiros, e da mãe - que fora prostituta do cais na região do Amapá. Seguindo a sina, Saraminda, que na visão do escritor Carlos Heitor Cony, foi “oito vezes virgem, oito vezes puta, trazendo nos olhos e nos seios dourados o prazer e a desgraça”, ao se oferecer como prostituta a Cleto Bonfim, o mais poderoso garimpeiro da região, durante um leilão de arremates à mulheres da vida, enfeitiçando-o, numa relação de amor e ódio, entre a luz e sombra, entre o grotesco de Cleto e a sensualidade de Saraminda, como nas palavras tiradas do próprio romance, “E eu fui implorando para ela se entregar, e ela era uma cobra sucuri que se enrolava em mim e fugia sem fugir, assim junta e sussurando. O candeeiro estava ao pé da cama. Sua luz caía. Eu não via direito e levantei para aumentar o morrão. Ali estavam os bicos dos seios que eu apenas tinha entrevisto, amarelos como ouro bruto, tirado da terra, mas do brilho trabalhado por mãos de ourives, artista do bonito. As pontas eram grandes, altas, duras, roliças, faiscavam como tição. Beijei-as. Elas encheram minha boca e se derretera”. Pra quem está a fim de ler um bom livro, passeando pelo poder imaginário das palavras, numa linguagem estritamente elaborada, nada melhor que conhecer Saraminda, cujos seios “eram amarelos como o ouro, não o ouro sujo do garimpo, mas o ouro que enfeitava o colo e os dedos das mlheres”. Uma boa leitura.
Prof. Robson Veiga

segunda-feira, 14 de março de 2011

madrugando entre livros e afins

Neste carnaval, fui dá um passeio à Cidade das Mangueiras. Logo de cara, madruguei no aeroporto internacional de Brasília. Pra minha surpresa, espanto e desagrado, uma livraria estava fechada, tendo no letreiro, “por tempo indeterminado”; a outra, apenas um aviso – só abriremos depois do feriadão. Imagine você no aeroporto, na madrugada de carnaval. Você olha para um lado, olha para o outro, e de repente você pensa que faz parte de um filme de terror, pois não há ninguém ao teu redor, nem na tua frente, nem dos lados. Por um momento, ainda na parte superior, no território denominado de área de alimentação, além de mim, apenas um casal a observar romanticamente a pista vazia, bem como um velho, lá canto, com as pernas cruzadas e uma das mãos segurando o queixo, meio sonolento, olhando no pro infinito como quem não espera a hora de chegar em casa. Sendo assim, comecei a perambular entre os andares a contar as horas, e, é justamente nestas horas que as horas não passam. Bem, o jeito foi reler alguma coisa, pois na minha bagagem, como é normal, sempre há dois a três livros, no caso de uma necessidade como esta, já que não deu pra dá um passeio entre os livros nas livrarias do aeroporto. Porém, antes de reler, quando ainda estava procurando com as mãos em faro por algum livro na bagagem, ouvi algo cair no chão. Era um livro que descaiu mansamente das mãos de uma senhora rumo ao chão. Um romance da década passada literatura alemão, escrito por David Benioff, “cidade de ladrões”. Cheguei a conhecê-lo pela capa branca, contendo a figura de dois homens correndo por entre a neve, adentrando por um espaço aladeado por portões grandes de ferro, tendo por fundo a fachada de um belíssimo palácio. Não havia dúvidas quanto ao livro em questão. Na época, quando o li, foi como se eu estivesse dentro da história vivida pelo nosso personagem, o russo Lev, que vê sua própria terra sitiada pelo exército alemão, durante a segunda grande guerra mundial. Algo inusitado ocorre na narrativa. O nosso herói russo é preso por saquear o corpo de um piloto inimigo, abatido ao chão, estirado na neve, em frente seu apartamento. Levado a um general da polícia secreta russa, ele recebe uma ordem, caso não cumpra, seria fuzilado. Agora, como pegar uma dúzia de ovos num campo minado, numa terra destroçada pela artilharia inimiga, ou pelos compatriotas fugidios que nada tem para comer? Esta foi a tarefa a ser cumprida, por exigência do general, pois tais ovos seriam para fazer o bolo de casamento da filha do homem das insígnias, em plena guerra. Uma semana era o prazo a cumprir. Mas como resgatar uma dúzia de ovos sem escapar das balas do exército inimigo, ou da fúria e da fome dos conterrâneos, que por nada deixariam escapar uma galinha no quintal, quanto mais uma dúzia de ovos? Por entre quase trezentas páginas ao longo da narrativa, acompanhamos a epopeia do nosso herói junto ao seu amigo Kolya, um desertor. A cada página, sofremos com ele. A cada bala que passa rente ao nariz, murmuramos com ele. A cada caminhada em neve, sentindo a fome corroer o estômago, sentimos com ele. O fim do romance é surpreendente, emocionante e hilário ao mesmo tempo. Gostoso de ler. Numa daquelas narrativas que a gente nem chega ver o tempo passar. Mas, voltando a nossa madrugada de carnaval, o jeito foi me contentar em reler alguns contos de Saramago, extraído do livro Objecto Quase, lançado em 78, principalmente a narrativa “Embargo”, uma crítica a coisificação humana, em que o  carro do nosso personagem passa a ter vida própria em meio ao embargo do petróleo conferido ao árabes. Caso fosse escrito na atualidade, a coisificação seria em relação à internet, cujo homem, seria incapaz viver mais sem a mesma. Talvez a besta fera da contemporaneidade (www) proferida pela escritura sagrada.
Profº. Robson Veiga