quarta-feira, 18 de maio de 2011

abençoada arte do cerrado

Poderíamos dizer que Goiânia, bem como as suas adjacências, é um lugar abençoado por Deus em matéria de arte e cultura, ainda mais se pegarmos como objeto de estudos e devaneios a Literatura, expressão máxima da arte, tanto em versos como em prosa – e no caso desta última, vamos falar da crônica, especificamente da crônica lírica, tomando como exemplo o brilhante texto produzindo especialmente para o Diário da Manhã, desta semana, da escritora Clara Dawn, “Coador de papel”, simplesmente uma viagem lírica entremeando quatro gerações batizada pelo gosto do mesmo lugar.

Ao ler este texto, vaguei em espírito por alguns instantes ao longo das minhas lembranças, quando era menino ao cheiro dos jenipapos nas terras doces do Ibituruna em Governador Valadares, trazendo comigo todas as matizes em crianças da década de 70. Fui capaz até de sentir aquele cheiro gostoso de café mineiro que exalava por todo quarteirão, que minha avó fazia, acordando toda vizinhança em estado de graças – que seja bem vindo do dia, que seja bem vindo o sol.

Foi assim que me sentir ao ler a doce poesia traduzida em prosa, esbaldando em ritmos e musicalidades, o que não é obra do acaso, mas do trabalho do artista da palavra, que não nasce da noite pro dia nem no pular de salonguinhos, mas da força que move a arte – como assim descreveu em puros versos metalingüísticos nosso poeta maior, “Gastei uma hora pensando um verso que a pena não quer escrever. No entanto ele está cá dentro inquieto, vivo. Ele está cá dentro e não quer sair. Mas a poesia deste momento inunda minha vida inteira”, de Carlos Drummond de Andrade, ao retratar o trabalho ardiloso do artista, o que dignifica sua arte, ao diferenciar o texto dignamente poético dos demais rabiscos no papel, criados somente através da inspiração.

Notadamente, faz gosto de ler este texto da nossa Clarinha, pois na atualidade são poucos aqueles que consegue tingir no papel uma crônica de qualidade, permeando tempos opostos ao buscar o poético, o passado e o presente deixando suas marcas no explicitar de cada linha – levando o leitor ao lugar das reminiscências, sem deixá-lo fugir para sempre, pois o futuro é logo, já não existe mais o presente, como expresso no seguinte parágrafo do texto mencionado – “O cheiro do querosene que fluía da cera se misturava com o perfume amadeirado que saía das toras de eucalipto, enquanto o fogo lhe queimava as fibras, o ambiente era embalado pelo som eufórico do pino da panela de pressão... Eu ri, minha vó está moderna demais. O que foi feito do velho caldeirão de ferro?”. Puras imagens em forma de poesia, dando sentido à palavra.

Tomando assim, costumo dizer aos mais jovens que o tempo não pára (Cazuza), e que o instante já não é mais o agora, por isso, faço questões de dizer-lhes, que não é hora de dormir, mas de ler um livro, de desafiar as estantes e debulhar o milho, viajando pela imensidão do tempo e do espaço, mesmo que seja em espírito, pois no futuro, não terás uma alma medíocre, mas sim, um Ser em constante formação e construção, sabendo que o amanhã não existe, e que no passado, só as lembranças nos interessam, e “se chorei ou se sofri, o importante é que emoções eu vivi”.

Robson Veiga

terça-feira, 17 de maio de 2011

uma viagem ao mundo mágico das letras

Este era o título do projeto educacional com o objetivo de incentivar a leitura entre os jovens estudantes, que desenvolvi numa escola estadual nos últimos três anos – Uma viagem ao mundo mágico das letras. Tudo surgiu por acaso, como no acaso de uma grande paixão, ou um caso de amor. Simplesmente a diretora da escola chegou pra mim numa noite de frio e me mostrou uma sala morna abarrotada de livros, porém, abandonada havia tempo – é toda sua, foi o que ela disse, saindo vagarosamente pela via lateral.  Por um momento me senti um peixe fora d’água: sou professor de literatura, não um bibliotecário! Mas a leitura estava no sangue e na alma, pois sempre gostei de ler: jornais, revistas, versos e prosas, enfim, tudo que tivesse palavras em suas linhas. Já na primeira semana, ainda espanando os vermes que por lá habitavam, deixando apenas aqueles famosos de Augusto dos Anjos, fui alvejado de surpresa, atravessando o pátio, por um olhar faminto e carente por cultura de um menino que me parou de repente – Ei, professor, está lendo o quê¿ Naquele momento, eu estava me familiarizando com Hassan, um dos personagens do romance O caçador de pipas de Khaled Hosseini, e sua enigmática frase pronunciada ao seu melhor amigo, Amir, “Por você, eu faria isso mil vezes”, adentrando nessa belíssima amizade, marcada por amor e ódio ao longo das quase quatrocentas páginas. Como nunca fui de esconder os livros nas estantes, pois sempre tive em mim que os livros não foram feitos a ficar nas estantes, antes passar por mãos e mãos, acabei cedendo àqueles olhos famintos a me dizer – gostaria tanto de ler este livro. Isto, após olhar a capa, a resenha do livro, a quantidade de páginas, e algumas palavras sobre o livro que havia jogado ao vento aos seus ouvidos. Mas palavras ao vento se tornam perigosas, então, emprestei o livro ao garoto, ainda no primeiro capítulo. Com a certeza de que o menino haveria de demorar uns quinze dias ou mais, procurei logo pedir via net um novo exemplar da história de Hassan, porém, para minha surpresa, o jovem estudante havia chegado para mim na outra manhã, com os olhos vermelhos e sonolentos, como quem não dormira na noite anterior – professor, madruguei de olhos abertos, não consegui dormir, amei esta história. Que bom! Mas ele não veio só, em sua companhia havia mais dois colegas lutando entre si para ver em qual das mãos haveria de ficar o livro na próxima madrugada. Aquilo foi a tempestade que faltava na mansidão de todos os dias. Haveria de comprar mais três exemplares do mesmo livro. Daí em diante, comecei a passar com livros de sala em sala expondo oralmente a resenha dos livros, muitas vezes até no pátio, ou na entrada da escola. Geralmente entrava com trinta livros e saía com as mãos abanando. Foi uma febre! Um delírio! No primeiro ano, mansamente, chegamos a trezentos e sessenta e oito leituras; no ano seguinte, evoluímos bastante, pois fomos para mil e duzentas leituras; já no terceiro ano, batemos o recorde em matéria de leituras não-obrigatórias estudantis – foram mil e oitocentas leituras. A cada livro, os alunos viajavam no tempo e no espaço, vivendo outras realidades, conhecendo novas personagens, novas culturas, novas imagens. E dava pra ver e sentir o estranhamento que a literatura causava em cada um.

Robson Veiga