quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O lado poético e transcendental da Matemática!


Outro dia, um professor de Matemática entrou furioso na sala dos mestres durante o intervalo. Segundo ele, tentara de todas as formas, mas os pequenos não estavam conseguindo apreender o mundo das frações. Dava pra notar a decepção em teus olhos. A fúria em suas palavras. O desespero que corriam em suas veias. Então, após lhe passar uma xícara de café, procurei amenizar a situação, olhando pelo lado bom das coisas. “Olha, faz o seguinte: peça cada aluno pra trazer uma laranja na próxima aula. Comece explicando a eles a origem da laranja. Suas propriedades. Seu formato e cores. Seu modo de plantio, produção e colheita. Depois peça para parti-la ao meio, depois, a metade da metade. Por fim, peça as merendeiras para fazer um delicioso suco. E depois de tomar, pergunte pra eles o que os próprios apreenderam nesta determinada aula. Batata! Todos irão dizer coisas mirabolantes e maravilhosas! Pronto!”.

Já labutei por doze longos anos em sala de aula ministrando a famosa disciplina da Matemática, que por sinal, além de ser uma bela palavra proparoxítona, aliás, todas as proparoxítonas são belas, esta palavra também é carregada de musicalidade quando pronunciada lentamente, pura poesia! Daria até, um belo nome de moça – a rainha dos bailes, da graça e beleza!

Mas como ia dizendo, entrei no mundo da Matemática como professor, embora fosse apenas um aluno bem regular em relação a esta disciplina até chegar à antiga oitava série em minha vida estudantil. A partir daí, calcular o valor de delta era minha especialidade. E era nas tardes de outono, antes da famosa “pelada” diária, sempre às cinco da tarde, depois de ler um bom livro, que ficava na varanda refazendo as funções do segundo grau. Uma delícia!

Dos meus trinta anos no magistério, quase a metade dedicada à Matemática, fui descobrir o seu paladar aos poucos. No início, como um professor que adorava planejar, executar e corrigir as provas – um gozo! A cada nota zero, como se fora um gol marcado pelo artilheiro do meu time favorito! Depois de um certo tempo, após centenas de reprovações, notei que o caminho não era aquele, pois o gozo estava se transformando em tormento, assim como a sensação que fora apanhado meu colega logo no início desta crônica.  Não havia mais êxtase em ferrar o aluno, mas um gosto de fel começou a dominar o meu espírito. Foi o que comecei a fazer, mesmo antes de chegar ao grande público pedagógico, a chamada avaliação formativa: deixei as provas e testes e trabalhos escolares de lado. Partir para a valorização do dia a dia, bem como a valorização do próprio ser humano que estava ali na minha frente, trazendo todos os seus saberes, começando a perceber que o mesmo aluno que não sabia calcular o valor de “x”, pois o próprio “x” não era do seu mundo original, era o mesmo ser humano que trabalhava na quitanda onde eu fazia as compras semanais, mas que era incapaz de aborrecer o espírito de Issac Newton, mesmo não usando a calculadora, apenas o lápis, o raciocínio e a experiência. Então, como reprová-lo?

Passei observar, que o que era tão fácil para mim, quando estava com o giz na mão a frente do quadro, era tão esquisito e desconhecido para os meninos e meninas que estavam a fitar os olhos vermelhos à minha frente. Mas quando criança, antes do famoso delta me fazer gostar da Matemática, eu também olhava para o quadro, namorando com todos os números e letras, e apesar de ter brilhantes professores desta disciplina, o cérebro não conseguia captar fortuitamente aquela mensagem. E me colocar no lugar dos próprios alunos, pela experiência estudantil que tinha, descobrir que não era o dono do mundo, e que, por tal razão, deveria ter paciência e perseverança com aqueles olhares clementes que pediam pra conhecer o mundo, não no meu formato, mas no formato que a eles pudessem ser assimilados.

Acreditei que dava pra mudar e mudei! Passei a colocar as notas bimestrais a lápis, só metendo a caneta azul, antes do natal. Abolir de vez a vermelha. E adotei a nota seis como a menor nota numa escala que iria até dez, pois, aqueles que ali estavam à minha frente, tinham muitas coisas a me dizer, com suas vivências e experiências. E passei a adotar o seguinte lema: aqui, eu sou apenas o seu orientador!

Certa vez, a geometria através do quadro não estava sendo engolida como deveria. Então, passando por várias metodologias em sala de aula, resolvi levar todos para quadra. Lá, eles perceberam as variadas formas geométricas com os próprios olhares, e com uma trena, passamos a calcular na prática, áreas, perímetros, diâmetros, e o diabo a quatro, e todos os segredos que os livros, até aquele momento teimara em esconder. Foi tudo uma questão de acreditar que a danada da Matemática poderia e deveria ser vivida de uma forma diferente, e por que não, de uma forma poética de ser e de estar. Não é que deu certo!

Profº. Robson Luiz Veiga

Mestrando em Literatura e Crítica Literária PUC Goiás