sexta-feira, 1 de março de 2013

O caráter dialógico nas obras de Maria de Fátima Gonçalves Lima



Em tempos tão difíceis como aqueles, década de 1970, onde tudo era mais estreito, era um prazer viajar no mundo mágico das estórias contadas por minha querida avó, dona Vitalina Fraga, na beirada romântica da lua cheia, ao pé do morro do Ibituruna, às margens do Rio Doce. Ainda sinto o cheiro e o gosto frenético do jenipapo de Minas, quando relembro daqueles doces e significantes instantes.

Assim, reuniam-se todos os netos, em forma de círculo, ao pé da mangueira, e sempre havia um que dizia, “vó, conta pra gente aquela estória”, e vovó dizia, “mas de novo, aquela estória?”. Aí, tome estórias, de Lobisomem a Mula-sem-cabeça, e outros personagens lendários, sempre mesclados com personagens reais do tempo de minha avó, tendo no bojo do enredo, o estatuto do gênero maravilhoso, que se fazia presente na oralidade das palavras e nas gesticulações que minha avó criava.  E ela sempre jurava ao chegar o fim de cada estória que era tudo verdade, pois ela vira tudo aquilo com os seus próprios olhos, ou às vezes com os olhos da sua própria mãe, e nós, como toda criança, inocentes, acreditávamos piamente em cada signo, pois ao dormir, era difícil não abrir os olhos e verem bem de perto todas aquelas criaturas.

E foi lendo, nesta semana, as obras que compõem a escritura da literatura infantil de Maria de Fátima Gonçalves Dias, entre outras, O castelo da Branca de Neve, Os cabelos de Rebeca, O bezerro e a rainha, A pedra furada, A sopa de pedras e A sopa de Viaro, que cheguei a lembrar desses doces e prazerosos momentos do passado. Momentos raros na contemporaneidade, previstos pelo alemão Walter Benjamim, no seu aclamado ensaio “O narrador”, cuja modernidade estaria contribuindo para o fim da narrativa oral, por não saber mais o homem, intercambiar suas experiências em forma de narrativas. E claramente, nos dias de hoje, dá pra notar o quanto a figura mítica da avó, metaforizada por Monteiro Lobato na obra Sítio do Picapau Amarelo, pela figura de Dona Benta, contadora de estórias, já não faz mais parte deste mundo.



Por assim dizer, os contos infantis de Maria de Fátima Gonçalves Dias, que além de professora é crítica literária, seriam um resgate dos contos infantis da tradição oral, através das lembranças da figura de sua avó, como faz menção a própria autora na contracapa do livro, que “para realizar este trabalho busquei minhas reminiscências de criança, quando minha avó Maroca contava cantando essas histórias”, recriando, tais contos, numa atualização discursiva que chama a atenção do leitor, à procura de extrair o sentido da obra numa relação dialógica com o texto no ato da leitura, sendo, até então, um coautor da obra de arte ao contribui na produção de sentidos no ato da recepção do texto, como teorizava os críticos literários Jaus e Iser, sobre a teoria e o efeito da recepção estética da obra de arte.

 Segundo a pesquisadora paraense, Cirlene da Silva Andrade, Mestre em Literatura e Crítica Literária, em seu aclamado ensaio Dialogismo e recepção estética na obra de Maria de Fátima Gonçalves Dias, a linguagem apresentada pela autora nos contos, funde o tradicional dos contos populares a uma nova postura estética, num diálogo permanente com a literatura oral, a mitologia grega e passagens bíblicas, cujo leitor, é levado ao “desvendamento das metáforas analógicas, dos símbolos metafóricos e da construção do maravilhoso, e ainda a identificação da referência ao mito”, através do ato da leitura, atribuindo sentido na obra de arte literária, por onde a significação encontra-se na junção, entre a linguagem verbal e a imagética, presente nestas obras.


Robson Luiz Veiga
Mestrando em Literatura e Crítica Literária