sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

"Nos casulos de redundância nascerão borboletas"


Por que será que o belíssimo romance Angústia, do alagoano Graciliano Ramos, publicado em 1936, pela J. Olympio, ainda quando o autor se encontrava no cárcere, nunca fora reproduzido para as telas do cinema? Em vista de tanto material medíocre produzido pelos nossos cineastas, diga-se de passagem, às custas do dinheiro público, num jogo de apadrinhamento,  por que será que uma obra tão rica quanto esta narrativa ainda ganhou fama e notoriedade através da linguagem da sétima arte?

Talvez a resposta esteja no fato de não termos nenhum filme brasileiro como ganhador da estatueta. Seria, então, uma tal incompetência em relação à criatividade dos nossos produtores, diretores e roteiristas? Creio que não! Talvez, sim, falta de atrevimento, ou quem sabe, a leitura dos clássicos, ou melhor, a releitura.

O engraçado nisso tudo, é que o romance Angústia foi elaborado em seu discurso ficcional, todo moldado às técnicas cinematográficas em seu fluxo narrativo, através dos processos de rememoração que incendeiam a obra. Segundo o crítico Silviano Santiago, Angústia é atravessado por três processos de rememoração, sendo os dois primeiros executados pelo narrador-personagem Luís da Silva, e o terceiro, pelo próprio texto.

No primeiro processo de rememoração, denominado de flashback, acontece do primeiro capítulo até o penúltimo, por onde, o primeiro parágrafo ao ser narrado, corresponde no linear, ao fim do enredo, momento em que o narrador-personagem se levanta após um longo tempo. O segundo processo de rememoração, de acordo com o crítico, é produto da memória de Luís da Silva, cujo discurso se apresenta no texto em forma de fragmentos, em micro-narrativas autobiográficas revelando as experiências do personagem ao longo da sua infância e adolescência na zona rural nordestina, onde “a lembrança dos acontecimentos recentes na capital é alicerçada e, ao mesmo tempo, quebrada e explicada pela lembrança de acontecimentos e de figuras humanas do antigo mundo sertanejo, dominado pelos coronéis”, momento em que se funde passado, presente e futuro. Já o terceiro processo de rememoração é arquitetado pelo próprio texto, denominado de interno em forma da parataxe, em frases justapostas, “em que pouco sentido da frase anterior é carreado pela frase seguinte”, como admite Santiago, bem como da superabundância textual, no ir e vir de palavras e frases dentro do tecido narrativo.

O que difere o romance Angústia às demais narrativas de Graciliano, bem como, o classifica como subversivo ao cânone da literatura tradicional, o condicionando como moderno, é o fazer poético que se instaura em seu discurso, pois, se caso fosse constituído num fluxo narrativo linear, apenas os fatos que dão vida ao enredo, como numa sequência lógica: a paixão por Marina, a punição do amante e a autopunição, seria tal romance apenas mais uma entre as variadas produzidas no início do século vinte.

Assim como Clarice Lispector e Guimarães Rosa, Graciliano Ramos norteia o seu fazer literário tendo como peça de engrenagem principal, a própria linguagem, na exigência de um leitor perspicaz, como observa a professora Maria Aparecida Rodrigues, Drª em Teoria Literária, em seu livro Angústia Selvagem, ao r o fluxo da linguagem aliando-se à técnica do cinema no fazer poético Graciliano, onde “o texto funciona como recaptulação ou lembrança, num movimento circular entre presente, passado e futuro, com a finalidade de comunicar e expressar”, em imagens flutuantes que se revelam ao longo do romance.

Ah, como seria bom se este livro caísse nas mãos do espanhol Pedro Almodovar... Já notaram o que ele fez na sua última película, “A pele que habito”, com Antonio Banderas. Imagine agora o que ele faria com o romance Angústia, que embora não tão aclamado tanto quanto Vidas secas, poderíamos dizer que é aquele que carrega em si um maior valor literário quanto à sua construção lingüística.

Pagaria pra ver este belo romance na telona. E você, caro leitor?



Robson Luiz Veiga

Mestrando em Literatura e Crítica Literária


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Neste natal, dê um livro de presente!


Numa noite destas, escapulindo pela tangente às últimas páginas de Perto do coração selvagem de Clarice Lispector, resolvi tomar um suco de laranja a fim de apaziguar a mente, enquanto lá fora caía vagarosa uma chuva fina, daquelas que fazem o corpo todo pedir cama. Ao reparar que sempre tenho um livro nas mãos... sempre que vou aquele recinto... a gerente da lanchonete, alegando que deveria presentear quatro dos seus funcionários com um livro, pois esta era a regra pra quem completa mais uma primavera, me pediu a dica de alguns bons livros para agraciar os colegas.

De repente, me tocou à mente a leitura dos clássicos, porém, vá que a galera não tenha o hábito à leitura – começar pelos clássicos sem uma iniciação poderia fazê-los engavetar o livro, e aí, “tchau Maquelé”, era uma vez um livro. Que me desculpe Calvino. Então, dei um tempo quanto à indicação de Ulisses de James Joyce, Em busca do tempo perdido de Marcel Proust, Guerra e paz de Lev Tostoi, entre outros grandiosos romances que marcaram a história da literatura.

Quanto à literatura nacional de primeira grandeza, poderia indicar Dom casmurro de Machado, embora muito surrado, o enigma sobre os olhos de ressaca de Capitu em meio à febre em reminiscências de Bentinho ainda deixa muitos leitores a ver navio. E é claro, Grande sertão: veredas de Guimarães, um clássico dos clássicos, onde a primazia da palavra se revela no delinear das linhas. Há outros que também que poderia indicar, quem sabe Vidas secas ou Angústia de Graciliano, A hora da estrela ou A paixão segundo GH de Clarice, e outros mais e mais.

Veio à mente, alguns bons livros, com bons enredos e uma estética apurada, de romances lançados a pouco tempo, servindo como uma belíssima viagem no tempo e no espaço. Primeiro vamos à Barcelona, na Catalúnia do pós-guerra, na escrita magistral do espanhol Luiz Carlos Zafon em A sombra do vento, uma leitura mágica, daquelas de prender o fôlego; depois, vamos ao belíssimo romance O leitor de Bernhard Schlink, cuja escritura tem certas passagens memoráveis, encantadoras.

Entre os livros brasileiros lançados recentemente, indicaria Um erro emocional de Cristovão Tezza, um belíssimo romance contemporâneo, bem como o premiadíssimo Se fechar os olhos agora com competente jornalista Edney Silvestre. Isso sem falar nos últimos textos do caro amigo Chico Buarque, tais como, Leite derramado e Budapeste.

Ao terminar o lanche, caminhando em noite fria pelas ruas, sentir na alma uma vontade danada em fazer deste natal uma viagem mágica ao mundo das letras aos meus queridos e amados familiares. Que tal um livro como presente? Sim, um livro!

Assim, rolando na cama comecei a pensar numa determinada pessoa em relação a um determinado livro. E a começar, o primeiro livro que veio à mente foi Cem anos de solidão: simplesmente, uma daquelas jóias raras que se encontram nas areias do deserto, do colombiano Garcia Marques. E pelo jeito, a moda vai pegar. Para os próximos natais, nada de sapato, camisas, bolas, bonecas e cds, vamos de livros. Vá que a moda pegue. E de grão em grão vamos fazendo do Brasil uma casa de leitores...

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Parabéns... hoje é seu grande dia!!!





Eu tenho uma leve impressão que estamos por aqui apenas de passagem: “passageiros de algum trem”. Que entramos neste bonde numa determinada estação. Que andamos por vários vagões durante a longa ou breve jornada. Que ora estamos do lado direito, ora do lado esquerdo... ora no corredor, ora estamos na janela, e que a qualquer momento, em qualquer estação, podemos saltar deste trem, esperar por um tempo e depois entrar em um outro trem, e assim vamos, como no ciclo das quatro estações, onde nem tudo são flores, e a primavera não é eterna, enquanto é claro, por aqui estivermos, pois, embora haja momentos de extrema felicidade, também há momentos em que caímos, levantamos, tornamos a cair, e até choramos. Mas vejamos pelo lado bom das coisas, não há mal nenhum em chorar. É no descer das lágrimas que paramos a pensar que podemos atravessar o rio.

Assim, enquanto nosso minúsculo planeta transcorreu ao redor do sol, num movimento milimetricamente arquitetado por um ser superior, você também caminhou milhas e milhas na soma das variadas manhãs. Neste percurso, deu tempo de avaliar e reavaliar tuas ações, teus falares, teus pensares, e até tuas omissões. Será? Pena que no correr do mundo moderno esquecemos até de bater um bom papo com a lua, de contar as estrelas, de beijar as flores, de molhar o rosto com a água do orvalho que beira logo ali na varanda.

Já parou a pensar na existência? Melhor não! Deixemos isto por conta da filosofia. Agora é hora de acender as velinhas, contar nos dedos as primaveras que se passaram, abraçar os amigos, quem sabe até mandar um cartão postal aos inimigos, “olha, estou aqui, de bem com a vida, em paz com o mundo e com muita vontade em ser feliz!”, e agradecer em cânticos e louvores ao Criador por mais um bolo a ser repartido. Afinal, felicidade ficou pra ser repartida, compartilhada.

De quem será o primeiro pedaço? Creio que isso não importa, pois muitas vezes os últimos serão os primeiros. Virtualmente, poderia dizer que um sorriso teu já bastaria, pois o sorrir alegra qualquer espírito, enquanto mostra que a paz se faz presente, mesmo na ausência, na outra margem do rio.

Por isso, sempre ao deitar, depois de um longo dia, em que o sol deu as caras, sorriu pra ti, iluminando os teus caminhos, é hora de perguntar a si mesmo, como num monólogo interior – será que sou merecedora do dia de amanhã? Só você pode responder tal indagação...

Então, sendo hoje o teu dia, “que a felicidade puxe uma cadeira vagarosamente e encoste-se alegremente ao teu lado para sempre”. E ao anjo bom que está do teu lado, você possa dizer com a voz do silêncio, enquanto todos ao redor cantam os parabéns, “obrigado, Senhor, por mais trezentos e sessenta e cinco oportunidades que terei ao longo dessa estrada a cada nascer do sol”.

Que haja fé, paz e saúde, o resto, no dia a dia se faz! Parabéns, felicidades mil!






Robson Luiz Veiga

Mestrando em Literatura e Crítica Literária PUC Goiás