quarta-feira, 16 de março de 2011

saraminda - mulher dos seios dourados como ouro

Ao ler um livro, tendo-o ainda fechado em nossas mãos, é como se tivêssemos apenas o bilhete da passagem de ida, pois, assim como uma viagem ao lugar desconhecido, segundo o crítico e filósofo Auri Cunha, a surpresa e a experiência é o que não podemos evitar, através das linhas de um romance, levando-nos às vezes ao agrado, ou ao desagrado, como fruidores, segundo a consciência que temos em perceber a alteridade na determinada obra, não como aparência da realidade, mas como elaboração transfiguracional através de símbolos em forma de palavras. Assim, é a sensação de ler um bom livro. A gente viaja pelo mundo imaginário e solto das palavras, num breve devaneio. Então, o que dizer de Saraminda, romance de José Sarney, lançado em seis idiomas, em comparação com as telas de Renoir – Le Moulin de la Galette e Jeunes Filles au Piano. Seguindo as linhas do pensamento filosófico-literário do renomado Professor Éris Antonio Oliveria, doutor em teoria literária, no seu estudo comparativo, editado no livro Pesquisa em Linguagem 2, envolvendo a literatura e a pintura – o ficcional e o pictural, tendo por destaque a similaridade do fulgar das cores em ambas as obras, notamos em Saraminda, a protagonista apresentada na obra como uma mulher de seis dourados, simbolizando a riqueza material assumida no cenário ficcional, tal qual as telas de Renoir em questão, em que o amarelo ouro se destaca, descrito pela luminosidade, em relação ao cenário adjacente, em contraste com as outras cores, transcendendo a natureza, enquanto criação ideal, em sua objetividade, assim como postulava Plazaola, em Introdução à Estética. Quanto à Saraminda, em suas temáticas relativas ao amor, a luxúria e traição, o leitor é levado ao deleite ficcional através da palavras descritas pelo narrador, como sendo uma mulher que “tinha olhos verdes, cabelos lisos que escorriam nos ombros, a pele cafusa, peitos firmes, de cones finos, que pareciam castanheiras eretas, linheiras, que não dobravam na ventania”, como uma personagem que herda os traços históricos familiares advindos da avó - que era dona de um cabaré aos apetites dos marinheiros, e da mãe - que fora prostituta do cais na região do Amapá. Seguindo a sina, Saraminda, que na visão do escritor Carlos Heitor Cony, foi “oito vezes virgem, oito vezes puta, trazendo nos olhos e nos seios dourados o prazer e a desgraça”, ao se oferecer como prostituta a Cleto Bonfim, o mais poderoso garimpeiro da região, durante um leilão de arremates à mulheres da vida, enfeitiçando-o, numa relação de amor e ódio, entre a luz e sombra, entre o grotesco de Cleto e a sensualidade de Saraminda, como nas palavras tiradas do próprio romance, “E eu fui implorando para ela se entregar, e ela era uma cobra sucuri que se enrolava em mim e fugia sem fugir, assim junta e sussurando. O candeeiro estava ao pé da cama. Sua luz caía. Eu não via direito e levantei para aumentar o morrão. Ali estavam os bicos dos seios que eu apenas tinha entrevisto, amarelos como ouro bruto, tirado da terra, mas do brilho trabalhado por mãos de ourives, artista do bonito. As pontas eram grandes, altas, duras, roliças, faiscavam como tição. Beijei-as. Elas encheram minha boca e se derretera”. Pra quem está a fim de ler um bom livro, passeando pelo poder imaginário das palavras, numa linguagem estritamente elaborada, nada melhor que conhecer Saraminda, cujos seios “eram amarelos como o ouro, não o ouro sujo do garimpo, mas o ouro que enfeitava o colo e os dedos das mlheres”. Uma boa leitura.
Prof. Robson Veiga

segunda-feira, 14 de março de 2011

madrugando entre livros e afins

Neste carnaval, fui dá um passeio à Cidade das Mangueiras. Logo de cara, madruguei no aeroporto internacional de Brasília. Pra minha surpresa, espanto e desagrado, uma livraria estava fechada, tendo no letreiro, “por tempo indeterminado”; a outra, apenas um aviso – só abriremos depois do feriadão. Imagine você no aeroporto, na madrugada de carnaval. Você olha para um lado, olha para o outro, e de repente você pensa que faz parte de um filme de terror, pois não há ninguém ao teu redor, nem na tua frente, nem dos lados. Por um momento, ainda na parte superior, no território denominado de área de alimentação, além de mim, apenas um casal a observar romanticamente a pista vazia, bem como um velho, lá canto, com as pernas cruzadas e uma das mãos segurando o queixo, meio sonolento, olhando no pro infinito como quem não espera a hora de chegar em casa. Sendo assim, comecei a perambular entre os andares a contar as horas, e, é justamente nestas horas que as horas não passam. Bem, o jeito foi reler alguma coisa, pois na minha bagagem, como é normal, sempre há dois a três livros, no caso de uma necessidade como esta, já que não deu pra dá um passeio entre os livros nas livrarias do aeroporto. Porém, antes de reler, quando ainda estava procurando com as mãos em faro por algum livro na bagagem, ouvi algo cair no chão. Era um livro que descaiu mansamente das mãos de uma senhora rumo ao chão. Um romance da década passada literatura alemão, escrito por David Benioff, “cidade de ladrões”. Cheguei a conhecê-lo pela capa branca, contendo a figura de dois homens correndo por entre a neve, adentrando por um espaço aladeado por portões grandes de ferro, tendo por fundo a fachada de um belíssimo palácio. Não havia dúvidas quanto ao livro em questão. Na época, quando o li, foi como se eu estivesse dentro da história vivida pelo nosso personagem, o russo Lev, que vê sua própria terra sitiada pelo exército alemão, durante a segunda grande guerra mundial. Algo inusitado ocorre na narrativa. O nosso herói russo é preso por saquear o corpo de um piloto inimigo, abatido ao chão, estirado na neve, em frente seu apartamento. Levado a um general da polícia secreta russa, ele recebe uma ordem, caso não cumpra, seria fuzilado. Agora, como pegar uma dúzia de ovos num campo minado, numa terra destroçada pela artilharia inimiga, ou pelos compatriotas fugidios que nada tem para comer? Esta foi a tarefa a ser cumprida, por exigência do general, pois tais ovos seriam para fazer o bolo de casamento da filha do homem das insígnias, em plena guerra. Uma semana era o prazo a cumprir. Mas como resgatar uma dúzia de ovos sem escapar das balas do exército inimigo, ou da fúria e da fome dos conterrâneos, que por nada deixariam escapar uma galinha no quintal, quanto mais uma dúzia de ovos? Por entre quase trezentas páginas ao longo da narrativa, acompanhamos a epopeia do nosso herói junto ao seu amigo Kolya, um desertor. A cada página, sofremos com ele. A cada bala que passa rente ao nariz, murmuramos com ele. A cada caminhada em neve, sentindo a fome corroer o estômago, sentimos com ele. O fim do romance é surpreendente, emocionante e hilário ao mesmo tempo. Gostoso de ler. Numa daquelas narrativas que a gente nem chega ver o tempo passar. Mas, voltando a nossa madrugada de carnaval, o jeito foi me contentar em reler alguns contos de Saramago, extraído do livro Objecto Quase, lançado em 78, principalmente a narrativa “Embargo”, uma crítica a coisificação humana, em que o  carro do nosso personagem passa a ter vida própria em meio ao embargo do petróleo conferido ao árabes. Caso fosse escrito na atualidade, a coisificação seria em relação à internet, cujo homem, seria incapaz viver mais sem a mesma. Talvez a besta fera da contemporaneidade (www) proferida pela escritura sagrada.
Profº. Robson Veiga

sexta-feira, 11 de março de 2011

quando o perigo mora ao lado

Por acaso o nosso caro leitor, já sentiu atraído a pular um determinado muro, mesmo sabendo que do outro lado, a única verdade a ser encontrada seja apenas a incerteza? Com certeza, em algum momento de nossas vidas já tivemos diante dos nossos olhos um grande muro, seja literalmente, ou mesmo metaforicamente. Às vezes até, ficamos diante de grandes muros, que mesmo sabendo o que não encontrar do outro lado, somos obrigados a escalá-los. Da mesma forma, da tão famosa pedra, aquela que de vez em quando a encontramos em nossos caminhos, assim como cantava Drummond, “no meio do caminho havia uma pedra”. Porém, quando somos crianças ainda, somos instigados a pular todos os muros e cercas que encontramos pela frente. Quando criança, o que vale é a descoberta, o novo, a aventura, sem se incomodar com o que vamos encontrar do outro lado do muro, ainda mais, quando a inocência do ser nos trai, pelo fato do novo nos atrair. É assim, o que viveu o nosso personagem da semana, o garoto Bruno de nove anos, nas poucas linhas do romance, O menino do pijama listrado, do escritor irlandês John Boyle. O enredo é simples, numa linguagem tranquila, narrado em terceira pessoa, sendo Bruno, o objeto da narrativa por onde todas as câmaras ficcionais se dirigem, do início ao findar do livro. A narrativa se inicia com o garoto indagando a todos sobre a mudança, pois o menino será obrigado a residir em outra região, tendo que construir novos amigos, novos hábitos, morando numa nova casa. Após deixar a cidade de Berlim, em plena segunda guerra mundial, juntamente com seus familiares: pai, mãe e irmã, o garoto Bruno vai habitar num determinado lugar, vizinho a um campo de concentração. Ali, Bruno conhecerá os opostos, mesmo sem saber, qual a causa da não atração entre eles. Por um lado, os nazistas e suas novas leis, titularizada pelo próprio pai, que tem o máximo orgulho ao vestir o uniforme alemão; por outro lado, os novos vizinhos.  Ao vazar do quintal da nova casa, para o outro lado, Bruno encontra um novo amigo, Shmuel, um menino que vive do outro lado da cerca, tendo por uniforme na vida diária, uma vestimenta listrada, de feitio semelhante aos demais. A partir deste momento, a narrativa se volta aos encontros diários entre os dois meninos: um, filho de alemão; outro, de sangue judeu. Num determinado encontro entre os dois, Bruno atravessa a cerca, troca de vestimenta com o novo amigo, e por ironia do destino, passa a ser, no final da história, o menino do pijama listrado - logo no dia em que o próprio pai, havia mandado exterminar na câmara de gás, uma boa leva de judeus que ali se encontrava em trabalho forçado. Pelo fato de ter poucas linhas, é aquele tipo de livro que a gente ler ao cair do por do sol, tomando uma breve limonada, no balançar da rede, deixando a alma cair solta no mundo da imaginação. Então, o que você está esperando? Corra! Leia o livro, e conheça o destino de Bruno e seu amigo de pijama listrado.

Prof. Robson Veiga

domingo, 6 de março de 2011

livraria tem cheiro de vidas

Hoje à tarde, com o cair em mansidão da chuva fina que pairava na cidade, me lembrei de uma cantiga gostosa do alagoano Djavan, “um dia frio, um bom lugar pra ler um livro”. Bem! Logo pensei em sair direto a tomar um café bem quente, daqueles regado a conhaque, e depois, passear na livraria. Afinal, livraria tem cheiro de vidas. Então, procurei alguma coisa pra ler, porém uma narrativa curta, que desse pra ler em apenas um fôlego, no contemplar da tarde, ao cheiro da terra e das flores, e sendo assim, a melhor pedida foi o parque vaca brava. Olhei nos quatro cantos da livraria, e entre milhares de vampiros que saíam das páginas dos livros, me dei conta de um pequeno livro lá no canto. Logo me veio à memória meus tempos de adolescente nas terras morenas das minas gerais. “Os meninos da rua Paulo”, sim, este foi o livro que eu escolhi pra reler. Sim, digo reler, pois já havia passado por ele, mas como delineei lá em cima, nos meus tempos de adolescência. Na época, uma leitura que havia me marcado muito, pois tinha tudo a ver com minha própria vida pueril – uma vivência marcada por garotos da rua tal, enquanto outros, garotos da rua fulano de tal, e assim por diante. Ou seja, o que havia nas páginas deste livro, em muito tinha a ver com o cotidiano de todos os meninos da minha rua, bem como os meninos das outras ruas: brincar de bola, de peão, de pique bandeira, e outras brincadeiras mais, sempre num terreno baldio perto das nossas casas. Então, me sentei num banco do parque e fui relendo e relembrando minha própria adolescência – tempos bons que não voltam mais. Sabe, conheço tanta gente que daria parte do tudo de hoje pra voltar pelo menos um final de semana nos tempos de criança. E você caro, leitor, o que daria pra retornar aos tempos que só cabem na memória¿ O título é sugestivo – os meninos da rua Paulo, uma novela da literatura húngara, escrita pelo jornalista Ferenc Molnár, publicada em 1906, e traduzida pelo premiadíssimo escritor Paulo Rónai. O nosso herói é o jovem Ernesto Nemecsek, tido como soldadinho raso do grupo dos meninos da rua Paulo, que junto aos amigos de infância, tem como lugar para brincar de gente grande, o “ground”, em plena Budapeste de 1889. O enredo é permeado pela luta em domínio do “ground”. De um lado, os meninos da rua Paulo, do outro, os camisas vermelhas, que saíam de uma outra localidade a fim de tomar posse do espaço ocupado pelos amigos do jovem Nemecsek. Uma leitura que fará você passear por suas lembranças, recheada de toque de emoção, cujo final nos eleva a considerá-lo como uma sátira ao nacionalismo exacerbado anunciado por toda Europa, e prenúncio da primeira grande guerra mundial. Ao reler o livro, em um momento bem distante do primeiro, percebo a grandeza desta narrativa ao demonstrar o quanto o universo juvenil é retirado do espaço da rotina dos adultos. Como eu relatei inicialmente, procurava uma leitura curta, mas de apenas um único fôlego. Pois bem, ao cair o por do sol, senti a brisa na pele, a temperatura cair, ao chegar à última página do livro, porém, a página da vida continua, e o pensamento voando pra uma época em que não mais podemos voltar, a não ser, através da imaginação. A todos leitores, boas leitura, pouco vinho e um bom carnaval.
Profº. Robson Veiga

quarta-feira, 2 de março de 2011

Quando a morte conta uma história, você deve parar para ler

É da natureza humana, correr atrás de algo que lhe incomoda, atormenta. Tanto as grandes paixões, cujo espírito fica revolto com o mundo e as coisas, a ponto de cegar o próprio ser, diante das pulsações que decorrem do atrito dos opostos, como a literatura – o ato de ler uma boa narrativa. E creio que todos nós já tivemos um frisson ao ler um bom livro, pedindo aos céus o alongamento da claridade – “Epa! Engrandece mais um pouquinho o dia, meu rei! Me dê mais uma hora, por favor”. Quem nunca viveu tal momento, ainda não viveu, creio eu, embora eu não seja dono da verdade, mas através da literatura podemos chegar mais perto da essência do real, não daquilo que realmente aconteceu, porém, daquilo que poderia ter acontecido. Então, enquanto lemos, passamos a fazer parte deste real imaginário. Sentimos as dores, o frio, o temor, as angústias e os risos dos personagens. Assim acontece quando lemos o romance de Markus Zusak, escritor australiano, publicada em 2005 – A menina que roubava livros, com as suas quase quinhentas páginas, apresentando um narrador não muito comum dentro da literatura – a morte. Isto mesmo, caro leitor, quem narra é ninguém menos que a morte, num tempo em que a mesma tivera muito trabalho a fazer, pois a narrativa se passa durante a segunda guerra mundial, em território da Alemanha nazista. Assim, a menina em questão, é perseguida pela morte, escapando da própria por três oportunidades durante o contorno da história. Logo na primeira cena, a pequena Liesel Meminger vê sua mãe a enterrar o irmãozinho. Momento em que a garota rouba o primeiro livro - O manual do coveiro, um livro preto com letras prateadas, após distração do coveiro ao deixar cair na neve. Depois ela é entregue às mãos de um casal moribundo, na cidade fictícia de Molching, próximo a Munique, sendo ele, um pintor desempregando; ela, uma senhora rabugenta. Segue assim, sina desta menina, uma sequência de livros roubados que lhe deram um norte em sua precária e desolada vida, mas ao ritmo lento. Ao ler as primeiras linhas, alguns leitores se atrevem a fechar as portas do livro. Mas depois, tornam a abri-las, pois não resistem ao fato de ser a morte a narradora da história, acompanhando a partir daí, todos os passos da nossa protagonista, que por três vezes deixa a narradora em estado de perplexidade. Sendo assim, meu caro leitor, deixo contigo as primeiras falas dessa nossa amiga inseparável, a qual um belo dia, com certeza a encontraremos, sorrindo como em todas às vezes, só não com nossa amiga Liesel Meminger... “Você vai morrer - Com absoluta sinceridade, tento ser otimista a respeito de todo esse assunto, embora a maioria das pessoas sinta-se impedida de acreditar em mim, sejam quais forem meus protestos. Por favor, confie em mim. Decididamente, eu sei ser animada, sei ser amável. Agradável. Afável. E esses são apenas os As. Só não me peça para ser simpática. Simpatia não tem nada a ver comigo”. Uma boa leitura a todos. Sem medo, é claro!
prof. robson veiga