Por
que será que o belíssimo romance Angústia, do alagoano Graciliano Ramos,
publicado em 1936, pela J. Olympio, ainda quando o autor se encontrava no
cárcere, nunca fora reproduzido para as telas do cinema? Em vista de tanto
material medíocre produzido pelos nossos cineastas, diga-se de passagem, às
custas do dinheiro público, num jogo de apadrinhamento, por que será que uma obra tão rica quanto
esta narrativa ainda ganhou fama e notoriedade através da linguagem da sétima
arte?
Talvez
a resposta esteja no fato de não termos nenhum filme brasileiro como ganhador
da estatueta. Seria, então, uma tal incompetência em relação à criatividade dos
nossos produtores, diretores e roteiristas? Creio que não! Talvez, sim, falta
de atrevimento, ou quem sabe, a leitura dos clássicos, ou melhor, a releitura.
O
engraçado nisso tudo, é que o romance Angústia foi elaborado em seu discurso
ficcional, todo moldado às técnicas cinematográficas em seu fluxo narrativo,
através dos processos de rememoração que incendeiam a obra. Segundo o crítico
Silviano Santiago, Angústia é atravessado por três processos de rememoração,
sendo os dois primeiros executados pelo narrador-personagem Luís da Silva, e o
terceiro, pelo próprio texto.
No
primeiro processo de rememoração, denominado de flashback, acontece do primeiro
capítulo até o penúltimo, por onde, o primeiro parágrafo ao ser narrado,
corresponde no linear, ao fim do enredo, momento em que o narrador-personagem
se levanta após um longo tempo. O segundo processo de rememoração, de acordo
com o crítico, é produto da memória de Luís da Silva, cujo discurso se
apresenta no texto em forma de fragmentos, em micro-narrativas autobiográficas
revelando as experiências do personagem ao longo da sua infância e adolescência
na zona rural nordestina, onde “a
lembrança dos acontecimentos recentes na capital é alicerçada e, ao mesmo
tempo, quebrada e explicada pela lembrança de acontecimentos e de figuras
humanas do antigo mundo sertanejo, dominado pelos coronéis”, momento em que
se funde passado, presente e futuro. Já o terceiro processo de rememoração é
arquitetado pelo próprio texto, denominado de interno em forma da parataxe, em
frases justapostas, “em que pouco sentido
da frase anterior é carreado pela frase seguinte”, como admite Santiago,
bem como da superabundância textual, no ir e vir de palavras e frases dentro do
tecido narrativo.
O
que difere o romance Angústia às demais narrativas de Graciliano, bem como, o
classifica como subversivo ao cânone da literatura tradicional, o condicionando
como moderno, é o fazer poético que se instaura em seu discurso, pois, se caso
fosse constituído num fluxo narrativo linear, apenas os fatos que dão vida ao
enredo, como numa sequência lógica: a paixão por Marina, a punição do amante e
a autopunição, seria tal romance apenas mais uma entre as variadas produzidas
no início do século vinte.
Assim
como Clarice Lispector e Guimarães Rosa, Graciliano Ramos norteia o seu fazer
literário tendo como peça de engrenagem principal, a própria linguagem, na exigência
de um leitor perspicaz, como observa a professora Maria Aparecida Rodrigues,
Drª em Teoria Literária, em seu livro Angústia Selvagem, ao r o fluxo da
linguagem aliando-se à técnica do cinema no fazer poético Graciliano, onde “o texto funciona como recaptulação ou
lembrança, num movimento circular entre presente, passado e futuro, com a
finalidade de comunicar e expressar”, em imagens flutuantes que se revelam
ao longo do romance.
Ah,
como seria bom se este livro caísse nas mãos do espanhol Pedro Almodovar... Já
notaram o que ele fez na sua última película, “A pele que habito”, com Antonio
Banderas. Imagine agora o que ele faria com o romance Angústia, que embora não
tão aclamado tanto quanto Vidas secas, poderíamos dizer que é aquele que
carrega em si um maior valor literário quanto à sua construção lingüística.
Pagaria
pra ver este belo romance na telona. E você, caro leitor?
Robson
Luiz Veiga
Mestrando
em Literatura e Crítica Literária
Não li o Livro em questão "Angustia" de Graciliano Ramos,mas confesso aguçou-me a curiosidade. Porém o seu texto me fez lembrar de outra grande obra pelo menos ao meu ver, do grande e inesquecível goiano Bernardo Elis: " A enxada". Denso e ao mesmo tempo sutil, chegou a ser ensaiado que seria filmado em mini série, oque não faria lhe jus diga-se de passagem. E que também esta obra seria uma primazia nas mãos de Almodovar por exemplo. Talvez o fato do coronelismo abutre fosse o grande "gap" para a não realização da obra explêndida que me fez chorar e sentir na carne. Ou talvez seja o contrário, e os realizadores tenham se esquecido ou não tenham interesse neste período triste na história brasileira. Fica aqui o meu comentário em forma de dica complementar já que um dos cernes do seu texto Robson é a falta de capacidade de ousadia em filmar boas obras já que as temos aos montes ou às resmas. Gostaria de ler aqui uma crítica a respeito da obra de Bernardo Elis, que tanto admiro, por que sei que você sim, lhe faria com grande propriedade.
ResponderExcluirnossa, andrea, suas palavras me fizeram arrepiar na alma... uma colega minha no mestrado já havia falado sobre esta obra de bernardo elis, porém, eu nunca trouxe em minhas mãos, mas agora, vc me aguçou de vez, vou procurar encontrar e ler o texto a enxada, e prometo que irei faz uma crítica sobre a determinada obra, valeu pelas palavras, como sempre, amáveis e gentis, grande abraço, fico grato, e devendo esta pra ti!
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