Outro dia, um professor de
Matemática entrou furioso na sala dos mestres durante o intervalo. Segundo ele,
tentara de todas as formas, mas os pequenos não estavam conseguindo apreender o
mundo das frações. Dava pra notar a decepção em teus olhos. A fúria em suas
palavras. O desespero que corriam em suas veias. Então, após lhe passar uma
xícara de café, procurei amenizar a situação, olhando pelo lado bom das coisas.
“Olha, faz o seguinte: peça cada aluno pra trazer uma laranja na próxima aula.
Comece explicando a eles a origem da laranja. Suas propriedades. Seu formato e
cores. Seu modo de plantio, produção e colheita. Depois peça para parti-la ao
meio, depois, a metade da metade. Por fim, peça as merendeiras para fazer um
delicioso suco. E depois de tomar, pergunte pra eles o que os próprios apreenderam
nesta determinada aula. Batata! Todos irão dizer coisas mirabolantes e
maravilhosas! Pronto!”.
Já labutei por doze longos anos em
sala de aula ministrando a famosa disciplina da Matemática, que por sinal, além
de ser uma bela palavra proparoxítona, aliás, todas as proparoxítonas são
belas, esta palavra também é carregada de musicalidade quando pronunciada
lentamente, pura poesia! Daria até, um belo nome de moça – a rainha dos bailes,
da graça e beleza!
Mas como ia dizendo, entrei no
mundo da Matemática como professor, embora fosse apenas um aluno bem regular em
relação a esta disciplina até chegar à antiga oitava série em minha vida
estudantil. A partir daí, calcular o valor de delta era minha especialidade. E
era nas tardes de outono, antes da famosa “pelada” diária, sempre às cinco da
tarde, depois de ler um bom livro, que ficava na varanda refazendo as funções
do segundo grau. Uma delícia!
Dos meus trinta anos no magistério,
quase a metade dedicada à Matemática, fui descobrir o seu paladar aos poucos. No
início, como um professor que adorava planejar, executar e corrigir as provas –
um gozo! A cada nota zero, como se fora um gol marcado pelo artilheiro do meu
time favorito! Depois de um certo tempo, após centenas de reprovações, notei
que o caminho não era aquele, pois o gozo estava se transformando em tormento,
assim como a sensação que fora apanhado meu colega logo no início desta
crônica. Não havia mais êxtase em ferrar
o aluno, mas um gosto de fel começou a dominar o meu espírito. Foi o que
comecei a fazer, mesmo antes de chegar ao grande público pedagógico, a chamada
avaliação formativa: deixei as provas e testes e trabalhos escolares de lado.
Partir para a valorização do dia a dia, bem como a valorização do próprio ser
humano que estava ali na minha frente, trazendo todos os seus saberes,
começando a perceber que o mesmo aluno que não sabia calcular o valor de “x”,
pois o próprio “x” não era do seu mundo original, era o mesmo ser humano que
trabalhava na quitanda onde eu fazia as compras semanais, mas que era incapaz
de aborrecer o espírito de Issac Newton, mesmo não usando a calculadora, apenas
o lápis, o raciocínio e a experiência. Então, como reprová-lo?
Passei observar, que o que era tão
fácil para mim, quando estava com o giz na mão a frente do quadro, era tão
esquisito e desconhecido para os meninos e meninas que estavam a fitar os olhos
vermelhos à minha frente. Mas quando criança, antes do famoso delta me fazer
gostar da Matemática, eu também olhava para o quadro, namorando com todos os
números e letras, e apesar de ter brilhantes professores desta disciplina, o
cérebro não conseguia captar fortuitamente aquela mensagem. E me colocar no
lugar dos próprios alunos, pela experiência estudantil que tinha, descobrir que
não era o dono do mundo, e que, por tal razão, deveria ter paciência e
perseverança com aqueles olhares clementes que pediam pra conhecer o mundo, não
no meu formato, mas no formato que a eles pudessem ser assimilados.
Acreditei que dava pra mudar e
mudei! Passei a colocar as notas bimestrais a lápis, só metendo a caneta azul,
antes do natal. Abolir de vez a vermelha. E adotei a nota seis como a menor
nota numa escala que iria até dez, pois, aqueles que ali estavam à minha
frente, tinham muitas coisas a me dizer, com suas vivências e experiências. E
passei a adotar o seguinte lema: aqui, eu sou apenas o seu orientador!
Certa vez, a geometria através do
quadro não estava sendo engolida como deveria. Então, passando por várias
metodologias em sala de aula, resolvi levar todos para quadra. Lá, eles
perceberam as variadas formas geométricas com os próprios olhares, e com uma
trena, passamos a calcular na prática, áreas, perímetros, diâmetros, e o diabo
a quatro, e todos os segredos que os livros, até aquele momento teimara em
esconder. Foi tudo uma questão de acreditar que a danada da Matemática poderia
e deveria ser vivida de uma forma diferente, e por que não, de uma forma
poética de ser e de estar. Não é que deu certo!
Profº. Robson Luiz
Veiga
Mestrando em Literatura
e Crítica Literária PUC Goiás
Curti...muito boa mesmo sua dissertação...apenas gostaria de parabenizá-lo pela descoberta sublime que é ser amigo...orientador de pessoas sem luz=ALUNOS...infelizmente não tive a sorte de ter um professor que de repente encarou a vida de forma poética, passando a poesia de viver e ensinar para a matemática...hoje eu tenho 40 anos e digo sinceramente...ODEIO MATEMÁTICA...ODEIO TODOS OS PROFESSORES QUE TIVE...ODEIO NÃO LEMBRAR DO QUE APRENDI A DURAS PENAS...APENAS PORQUE ESTAVA NA BERLINDA SEMPRE E SEMPRE COM UM PROFESSOR PARTICULAR(PACIENTE, LEVE, POÉTICO TALVEZ)...ODEIO PESSOAS QUE TEM O "PODER" DE MUDAR VIDAS NAS MÃOS E FAZEM QUESTÃO DE DEIXAR OS ""SEM LUZ"" COM CARA DE IDIOTA E DEPOIS DAR UM ZERO BEM REDONDO E AINDA RIR...COMO SE AQUILO FOSSE UM TROFÉU...mas acredito que isso acontecia...não acontece mais...acredito que hoje em dia os professores aprenderam algo com professores como o senhor que aprendeu verdadeiramente a lecionar...a ser mestre, com toda honra que a palavra concede...imagino que hoje em dia não existam mais criaturas horrendas iguais as que eu tive em minha infância e préadolescência...sonho meu!!!
ResponderExcluiroi labele, tudo bem! gostei muito do seu comentário, e acredito plenamente que muitos alunos aprendem a não gostar da matemática, não pelos seus segredos e mistérios, mas pelo jeito de quem a passa em sala de aula... ela exige que seja em forma de poesia, se não for assim, não haverá liga, daí, muitos a irão destestar pelo resto das suas vidas... um beijão querida!
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