quinta-feira, 15 de março de 2012

"Que farei com este livro?"


Tal indagação que temos por título, é a denominação da segunda peça teatral escrita pelo único prêmio nobel em literatura, José Saramago, editada em 1980, em comemoração aos quatrocentos anos da morte do maior poeta lusitano de todos os tempos, Luiz Vaz de Camões.

Nesta peça, Saramago brinca com as palavras ao relacionar o real ao ficcional, marca registrada em seus escritos literários, numa "reflexão que não se exaure diante do que não está explicado", como postula a professora Cínthia Renata Gatto Silva, amante e pesquisadora das inquietudes saramaguianas - fazendo surgir através da pena um Camões desconhecido, que traz no bojo apenas "papéis com versos", não aquele em bronze postado na praça em Lisboa, mas um Camões que fala, que tem voz e autenticidade, ambientada nos últimos três anos que antecederam a publicação do célebre poema épico, Os Lusíadas, após o retorno do poeta lusitano da Índias.

Saramago apresenta nesta peça, uma das cinco produzidas por este escritor ao passear pelas veredas da dramaturgia, ao tematizar a publicação da obra de arte num mundo coberto pela censura e a inquisição, a representação histórica e biográfica de Camões, por onde o leitor/espectador é convidado, pela via da ironia que se abre na obra, a "promover uma reflexão sobre o presente, a partir de uma reavaliação do passado", segundo o professor e pesquisador Cláudio de Sá Capuano, nome respeitado na atualidade em relação à dramaturgia saramaguiana.

A mesma indagação que fizeste o Camões saramaguiano no palco foi também a mesma que ouvi de certos colegas num certo dia quinze de outubro, ao receber de presente da Secretaria Municipal de Educação um belo livro sobre práticas pedagógicas em sala de aula, "Hum, logo um livro, porque não colocaram um abono pra gente na conta, afinal, que farei com este livro?".

Uns, após o evento esqueceram o livro em cima da mesa, outros o levaram pra casa e o prensaram na estante, uns mais ainda deram as crianças a brincar no quintal, e alguns poucos o jogaram na primeira lata do lixo. Raríssimos foram aqueles que leram suas páginas. E isto não é uma lenda, é um fato, uma constatação, que aconteceu, e poderia acontecer, e como bem acontece em todas as escolas brasileiras, seja pública ou particular.

Infelizmente os profissionais em educação não se interessam muito pelo ato de ler, ainda mais quando a leitura tem alguma coisa a ver com suas próprias práticas diárias. E antes alguém se esbraveja com o texto, lembremos que toda regra tem exceção.

Quanto à literatura, deixemos pra lá. Arte é coisa não muito levado a sério em ambiente escolar, e quando há, apenas pra matar o tempo, pois arte ainda é encarado como alguma coisa de quem não tem o que fazer.



Robson Luiz Veiga
Mestrando em Literatura e Crítica Literária
PUC Goiás

6 comentários:

  1. nfelizmente meu caro amigo, essa é a visão de muitos educadores.

    Para toda regra existe uma excessão, mas há uma grande "ignorância" das/nas práticas pedagógicas no que refere a educar para o "belo", para o alimento do espírito. O educador, não sei se é pelo descrédito da função, dá pouca importância que recebe nos dias de hoje, apenas reproduz um modelo já estatuído... uma educação comercial.

    Culpá-los?
    Não! de forma alguma, eles também sofrem dessa carência e não se pode exigir que um cego descreva a cor do arco-íris.

    Eu digo isso com conhecimento de causa, sou educador e já ocupei praticamentes todas as funções dentro de uma escola... professor, coordenador pedágógico, Técnico Administrativo e, infelizmente, é preciso uma mudança de postura. Digo infelizmente porque essa postura deve existir antes de entrar em sala.

    Grande abraço a ti.

    daufen bach.

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  2. Essa peça do Saramago, Robson, é riquíssima. Sem dúvida, é a melhor das cinco. Penso que se professores de história a conhecessem, poderiam fazer belos trabalhos interdisciplinares envolvendo sua disciplina e Literatura...

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  3. sabe, capuano, sempre compartilhei dessa ideia de que os professores de história deveria aposentar o livro didático deles e partirem para as artes, no caso em questão, a peça de saramago, bem como outros romances e até filmes, ou música, pois a própria arte explica a história, mas infelizmente nossos colegas não gostam de ler as verdades mentirosas em que nós somos jogados a caminhar, uma pena! estou pensando quando retornar ao meu trabalho como coordenador da biblioteca escolar em criar um grupo de teatro com alunos em que possamos representar no palco essas belíssimas peças de saramago, grande abraço

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  4. A realidade é essa mesma...A falta de leitura e a ignorancia do nosso povo transformou-os em massa de manobra...A leitura é uma arma que temos para transformar e contribuir para um mundo melhor..Faz 4 meses que tento que escutem o que digo...Mas eu não vou calar ainda chego la!

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  5. Olá, amigos.
    Hoje, encontrei na página inicial do Facebook, uma foto muito especial..marcante... de, dois garotos deitados sobre a arquibancada de concreto, de algum lugar que não está claro sabermos onde fica. Mas, o que me chamou à atenção, é que, os dois garotos, não estão sentados sobre elas, e, sim, cada um deles, deitados, lendo um determinado livro.. Achei fantástico o exemplo desses jovens que poderiam estar fazendo bagunça, ou mesmo participando de algum ato violento, mas, não...estavam instruindo-se e construindo melhor o futuro que lhes espera logo mais á frente. Se, quiserem ver a foto, entre em minha página do Facebook. Marilena Orsoni.

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