quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Convite à Navegação!



Convite à navegação;
uma conversa sobre a Literatura Portuguesa.




Mar aberto seria o título que o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago daria ao romance Jangada de pedra, obra esta publicada em 1987, e que segundo o enredo, a Península Ibérica se desgarraria do velho mundo a ancora-se no oceano Atlântico, entre as terras africanas e a América Latina, numa proximidade linguística e cultural, alegoricamente descrita neste romance saramaguiano, que discorre sobre o que aconteceria caso esta península se desmembrasse do continente europeu e vagasse pelo mar, como uma enorme embarcação a se aproximar, oceano afora, de suas antigas colônias. Mar aberto também é a obra crítica produzida pela pesquisadora Susana Ramos Ventura, amante incondicional da literatura lusitana, em relação à construção histórica e poética da Língua Portuguesa ao longo do último milênio, sobretudo em referência ao fazer poético traçado pelas linhas ficcionais dos grandes navegantes que utilizaram este instrumento de comunicação, tais como, Dom Dinis, Gil Vicente, Camões, Eça, Pessoa, Florbela e Saramago.

Desde os dez anos de idade, Susana Ventura vem trilhando as estradas poéticas mediante o ato de leitura, porquanto considera a literatura lusitana uma das mais ricas e fecundas do mundo ocidental, e que tende a ter, segundo a autora, maior visibilidade na terra de Drummond a partir da comemoração do Ano de Portugal no Brasil, evento este que a sensibilizou publicar em 2012, o seu primeiro livro solo, após um outro, já editado em março de 2010, Ciranda de escritas: reflexões sobre as literatura do Brasil, Portugal e Áfricas de Língua Portuguesa, em parceria com a pesquisadora Ana Cláudia da Silva.




 Convite à navegação – uma conversa sobre literatura portuguesa, da professora e pesquisadora Susana Ramos Ventura, doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo, publicado pela Editora Peirópolis, além de conter uma análise histórico-literária do período acima mencionado, também conta com as belas ilustrações da arquiteta Sílvia Amstalden, participante do grupo Charivari, em seu décimo trabalho artístico desta natureza, que numa linguagem singular em forma de imagens, enobrece ainda mais esta obra de Ventura, situando-a como um convite a uma viagem ao mar aberto da Língua Portuguesa, desde a origem, quando ainda se falava o galego-português na terra de Camões - língua essa que teria nascido do latim vulgar, se mesclando depois à chamada língua moçárabe, devido à influência peculiar dos povos mouros que ocuparam do século VIII até o século XII o território lusitano.

Entre a historiografia oficial e à graça da poesia, Ventura inicia sua viagem escritural ao falar das “doces águas da poesia”, atravessando os pireneus à caça da poética trovadoresca produzida oralmente em Provença, e de lá trazendo numa tradução livre o canto do amor de Bernart de Ventadorn, como expresso na bela estrofe, “Cantar não pode valer de nada, se não parte do fundo do coração; e para comover é preciso que lá dentro exista um verdadeiro Amor. Por isso minha poesia é perfeita, porque para gozar plenamente o Amor emprego a boca, os olhos, o coração e o saber”, por onde, o rei sábio, Afonso X, haveria de trazer as cantigas daquela terra e abrir espaço aos trovadores, que, num determinado tempo, haveria de produzir não somente uma gama de cantigas de amor, como também a inovação ao criar a cantiga de amigo, que “Imersa num contexto social, a mulher aparece numa fonte, sob galhos de árvores ou junto ao rio, onde lava roupa ou se prepara para tomar banho. Em algumas dessas canções, ela lembra ou espera pelo amado, evocando sua presença em conversa com elementos da natureza”, como expressa a Ventura.

Como um trabalho singular que oferece ao leitor uma visão peculiar, desde D. Dinis a Saramago, numa linguagem que comporta, tanto o iniciante ao universo da literatura portuguesa quanto ao acadêmico, ao sabor de um bate-papo, Ventura se propõe ao longo do texto, após visitar os trovadores, encaminhar neste diálogo o cronista maior Fernão Lopes, por sua visão de conjunto ao elaborar suas crônicas, “dando relevo, pela primeira vez, ao povo, que considerou como agente de transformações históricas”, para logo após, encaminhar o leitor ao teatro de Gil Vicente, “cuja obra reflete características medievais e também renascentistas”, tendo por destaque, neste navegar de Ventura, os autos e as farsas vicentinas.

O convite à navegação na qual empreende Ventura se encerra ao discorrer sobre a singularidade poética das linhas de Camões, sobretudo, ao pontuar os meandros que cercaram a produção camoniana em torno do mais famoso poema épico em Língua Portuguesa, no caso, Os Lusíadas, como cântico a exaltar o povo português na época das grandes navegações, que salvando o manuscrito da obra num naufrágio, deixou em águas profundas sucumbir o corpo da amada Dinamene. Esta epopeia teve sua publicação referendada pelo rei Dom Sebastião em 1572, “como uma obra plena das aspirações do ser humano da Renascença”, cujo autor, não suportando a perda misteriosa de autonomia de seu amado país em favor da Espanha em 1580, chegou a declarar em carta que “acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha pátria que não me contentei em morrer nela, mas com ela”, sintetizando em palavras o que sentira naquele determinado momento mediante o domínio espanhol.

No interior desta viagem, Ventura se ancora em suas ponderações, ao considerar pertinente ao seu processo de escritura, o diálogo entre variados pesquisadores e críticos relacionados ao tema, tais como, Nelly Novaes Coelho que considera Camões a primeira grande voz a cantor o amor em terra lusitana, “como a grande via interior que leva os homens à mais plena realização existencial”, porquanto Paul Teyssier considera a partir daí, a constituição do português clássico, que doravante poucas alterações iriam ocorrer em relação à morfologia e à sintaxe. Além destes, esta navegação conta com certas ponderações do renomado professor e pesquisador Benjamin Abdala Júnior, bem como, do filósofo português Eduardo Lourenço e de Cleonice Berardinelli, esta que, relaciona o processo de escritura da obra Os Lusíadas ao contexto na qual a mesma fora escrita por Camões.  

Ao conversar com o leitor, embora utilizando a pena para tal finalidade, Susana Ventura neste livro, convida-o a navegar pelos mares da inquieta e robusta língua de Camões, nem que seja numa rede preguiçosa pra deitar, caso o mesmo não esteja à beira do Tejo, ao frescor das oliveiras, ou mesmo em sintonia do fado lusitano, pois, como diria Pessoa, “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, presente no curto poema Mar português, ficando doravante, o convite ao amante da eterna Língua Portuguesa a navegar por mares, já ou nunca dantes navegados, e como salienta a autora, “que nos encantam ou que estamos por descobrir”, ou quem sabe ainda, por redescobrir.



                                                                                                           Profº. Robson Luiz Veiga
Mestrando em Literatura e Crítica Literária PUC-Goiás



Drª Susana Ramos Ventura

Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, com tese sobre os romances de José Saramago, Mia Couto e Ana Maria Machado. Pesquisadora do Centro de Literaturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa (CLEPUL) e do Centro de Pesquisas sobre os Mundos Ibéricos Contemporâneos (CRIMIC), da Sorbonne (Paris IV). Autora de Convite à navegação: uma conversa sobre literatura portuguesa e Eu, Fernando Pessoa em quadrinhos (Editora Peirópolis). 

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