quinta-feira, 30 de junho de 2011

o último romântico


Acredito, fielmente, que a filosofia deveria ser concebida como disciplina desde as séries iniciais do ensino fundamental, bem como, a poética deveria estar presente em todos os cursos de graduação. Pois acredito que tanto a filosofia tanto quanto a poética faz o homem pensar, refletir, buscar, abrir portas, correr mundo, pular muros, subir montanhas, cair ladeira abaixo, repensar a vida, o homem, a humanidade, e etc e tal e tal...

Pois, imagine uma criança ao lado de um adulto, tendo em sua volta um mundo com todos os seus contornos e coloridos – perguntas hão de surgir... e surgem! Mas, as respostas a tantas indagações não chegam a caminhar na mesma estrada, daí, o filosofar parece inevitável, pois aos olhos das crianças, perguntas nascem daquilo talvez que para o adulto seja o nada, ou às vezes o impensável ou inquestionável.

Desde quando abrimos os olhos, e passamos a sentir o mundo em toda sua completude, perguntas hão de surgir, e daí, porque não tratá-las em sala de aula desde a infância com as devidas invertidas que elas merecem. Mas logo surge o “não”, bem normal em bancos escolares do ensino fundamental e médio. Talvez porque as próprias escolas em seus sistemas educacionais caducos estão à margem da contemporaneidade, feito locomotiva que ainda caminha em trilhos bambos sem saber o destino da última parada, pois as locomotivas a vapor não rodam mais.

E quanto ao discurso, ainda em criança – o que importa são os questionamentos, as observações, as constâncias de lacunas abertas deixadas pelas inquietações sumárias sugeridas pelo cotidiano. Porém, a escola embebida pela musicalidade em notas frias do medieval, empurra as indagações ao devir. E aí, é onde mora o perigo, pois sem a filosofia e a poética, crescemos atrelados aos dogmas que a sociedade no vindouro não conseguirá responder, e assim como as doces palavras do poeta maior, “há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons”, ao chegar à época das desconfianças, lançamos os marinheiros ao mar, “sem lenço e sem documento”, e também sem vela a velejar.

E, ai do homem que procura respostas em quadrados sem portas e janelas. Furamos o teto, ou saímos pelo subsolo? Melhor seria educarmos nossas crianças no jardim – de cara pro vento, à sombra de uma castanheira, sem temer as indagações pueris, a vontade do filosofar, do cantar de versos, de repassar os dados e deixar rolar as palavras em círculos, mesmo que tais círculos não sejam circulares aos extremos, pois, quando a palavra toma conta do dia, até a noite pede licença para chegar um pouco mais, como se fosse verão o tempo do discurso em filosofar e poetizar.

Robson Veiga
publicado no jornal da manhã - goiania - dia 29 de junho de 2011

domingo, 19 de junho de 2011

uma viagem no tempo e no espaço

Certas imagens que encontramos no cotidiano nos empurram a certos livros que já lemos com o passar dos anos. Às vezes são imagens simples, como um flamboyant no outono, clamando pela primavera, ou um homem com os cabelos grisalhos e a pele marcada pelo tempo, sentado no banco da praça observando crianças brincando no jardim, ao pensar em tempos idos que não voltam mais, a não ser em pensamentos, ou a despedida de alguém na estação ao último apito do trem, ou uma cidadezinha do interior realçando em nossos olhos toda sua ternura em relação ao tempo que passa vagarosamente em silêncio, como as sábias e encantadoras palavras de Drummond. São imagens que perturbam ou incomodam o pensamento, nos jogando ao longe, ao adentrarmos novamente no jogar lingüístico de um bom romance. Assim acontece comigo todas as vezes que entro na primeira sala da casa de Dona Nice, uma senhora bem cuidada ao longo dos seus quarenta anos. Logo na entrada, deparamos com um quadro exposto na parede, contendo ali, cinco gerações de uma mesma família, estando a senhora acima mencionada no meio, no centro da imagem, e logo a sua direita duas gerações anteriores – mãe e avó; e a sua esquerda duas gerações posteriores – filha e neta.

Assim, ao parar de frente ao quadro, logo sou enviado a pensar na saga da família Buendía, desde a fundação da cidade de Macondo até a sexta geração, quando a linhagem é encerrada, saindo da realidade e entrando no mundo fictício da obra-prima do escritor colombiano, nascido em 1928 e vencedor do Nobel de Literatura de 1982, Gabriel Garcia Marquez, ao relembrar do belíssimo romance “Cem anos de solidão”, publicado em 1967, através da magia que envolve os personagens deste enredo, que é considerado por muitos, como um clássico da literatura latino-americana, e sempre relacionado como um dos três grandes livros que não pode faltar na estante.

O realismo fantástico presente na história de “Cem anos de solidão” gira em torno da família Buendía, iniciada pelo casal de primos, José Arcadio Buendía e Úrsula Iguarán, mostrando os encontros e desencontros ocorridos que marcam toda a narrativa até que o último Buendía, com passagens poéticas e de extrema beleza ao encantamento da linguagem literária.

Só uma dica pra quem está a fim de fazer essa viagem na saga da família Buendía: prepare um fim de semana especial, só ler o livro, sem tormentos, sem amigos bobos ao lado, sem exterioridades que não caibam na leitura, ou seja, esqueça o aqui e agora, e de preferência, debaixo de um belíssimo flamboyant na primavera ou quem sabe, de frente pro mar, pois você irá se encantar e se apaixonar de novo, e quando chegar à última página, dirá aos céus: “poxa! acabou... queria mais”. E aí, com certeza, daqui a dez anos você vai reler essa belíssima narrativa mística de Gabriel Garcia Marquez, tendo mais de trinta milhões de exemplares vendidos em todo mundo, e sendo endossado pelas palavras de Pablo Neruda como o melhor romance em língua espanhola desde Dom Quixote de Cervantes.

Robson Veiga