Uma
manhã plena de significados
Dos
duzentos milhões de brasileiros, quantos ainda são analfabetos, ou seja, nunca
pisaram num banco escolar, nunca tiveram o privilégio de descobrir o mundo
mágico e fascinante das letras? Ou quantos ainda são analfabetos funcionais, ou
seja, já sentaram num banco de escola, porém, não conseguem ler e interpretar,
sequer, uma bula de remédio, ou até, uma breve receita de bolo, e às vezes, nem
mesmo, conseguem escrever um simples bilhete, ou navegar por um verso de Drummond,
pelo sertão de Rosa, ou pela alma recolhida de Clarice?
Assim,
começou o pronunciamento da Profª. Milca Severino Pereira – Pró-Reitora de Pós-
Graduação e Pesquisa da PUC Goiás, numa solenidade realizada no plenário da
reitoria desta renomada instituição, na manhã da última quinta-feira, com a
finalidade de entregar os diplomas dos novos mestres e doutores, cujas
palavras, correram em paralelo aos versos do uruguaio Mario Benedetti, quando
este escrevera, “não desistas que a vida
é isso: continuar a viagem, perseguir teus sonhos, destravar o tempo, correr os
escombros, e destapar o céu".
Por
não se estender a todos os brasileiros, ou melhor, por ficar apenas numa
pequena parcela destes, é que a Profª. Milca Severino Pereira tocou na palavra
privilégio. Não no sentido pejorativo, segundo a ela, porém, um privilégio com
aspas, sobretudo, devido às circunstâncias na qual aqueles que ali estavam
foram levados a estar. Um privilégio a duras penas. Um privilégio gerado e
movido, por forças muitas vezes tiradas donde nem sabemos como chegam, cujas
linhas, trabalhadas por leituras e releituras, escritas e reescritas, só estão
no ponto alfa.
Entre
os variados momentos produzidos na breve solenidade, um instante me chamou a
atenção: além das nobres palavras de incentivo, cativou-me o modo como a Profª.
Milca Severino Pereira olhava nos olhos de cada um dos novos mestres e
doutores; como se estivesse a falar com a alma de um poeta – cuja voz doce e meiga,
estampava no rosto um sorriso pleno de significações; como estivesse a dizer:
parabéns, você encontrou a outra margem do rio; agora, siga adiante, pois a
caminhada é longa e o trote é curto, em breves passadas mansas à procura do
mar.
Depois
deste breve, porém, significativo encontro, não há como depositar o diploma de
mestre ou doutor numa moldura certificada duma parede lisa. É hora de correr
mundos e fundos por intermédio das linhas tortuosas e enigmáticas que nos levam
ao conhecimento, pois, como bem escrevera Guimarães Rosa, “a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e depois afrouxa, sossega e
depois desinquieta. O que ela quer agora da gente é coragem”, e põe coragem
nisso, meu caro Rosa.
Robson Luiz Veiga
Mestre em Literatura
e Crítica Literária PUC Goiás
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