Um
rio doce em primavera.
Da
minha janela vejo ao longe, numa manhã de primavera, o correr de um rio doce,
que em passadas mansas, feito versos que vagam, e quase vagarosas nesta época
do ano, convida o pescador a bater os remos, a jogar a rede, a tocar a viola, a
matar a sede, e a contar estórias retiradas de um baú pleno e fértil de
imaginação e fantasia – um rio que é doce desde o próprio nome, dependendo, é
claro, da estação do ano.
Daqui
vejo os meninos a brincar nos ingazeiros que se estendem da outra margem, pulando
das copas a sumirem água adentro, enquanto as meninas, que desta ficam, batem
as roupas sobre as pedras como quem bate tambores em alegria, oh, meu rio doce, doces são os seios da
morena flor; e outros ainda, que atravessam de uma margem à outra, cuja
descrição daria até um quadro em harmonia, por ainda estarmos em setembro.
Vejo
pedras minguando o cortar destas águas morenas, e corpos pulando de uma a outra
até quase ao meio do leito, indo e voltando como quem joga amarelinha. Se tinha
uma pedra no meio do caminho? Várias, como obstáculos mudos, transponíveis,
elementares, ainda poéticos. E o que dizer dos pássaros? Pois bem, vejo
pássaros famintos que descem e sobem cantando e festejando o dia em pura
alegria pelo que levam no bico. Vejo, ainda, homens-pássaros que pulam do
Ibituruna e fazem sombras correntes no correr das águas.
Da
minha janela, por ainda ser primavera, sinto o cheiro das vozes, Hum, é jenipapo correndo de mãos em mãos
dando água na boca de quem espera por sua vez. E no subir das pedras, as linhas
correm no azul do céu levando uma pipa que sobe banhada em cerol, pois, ainda, é primavera, te amo, é primavera, te amo,
sai chuva, e nas corredeiras um poema desce, vai a me levar como se fosse, indo pro mar num riacho doce.
Assim,
é tudo que vejo da minha janela entre os galhos das mangueiras no fundo do
quintal – pura poesia, que faz sorrir os meus olhos na feição de um quadro vivo
e reluzente, cuja vida tem hora e tempo pra morrer, enquanto ainda é primavera,
enquanto lá de cima São Pedro dorme mansamente à espera de dezembro, quando é
tempo de abrir as comportas do céu e fazer cair as tormentas que irão rasurar a
doce pintura por ora desenhada, porém, como dizia Guedes, viver é mansamente brotar, renovando o ciclo em busca de uma nova
primavera.
Robson
Luiz Veiga
Mestre
em Literatura e Crítica Literária PUC Goiás
Rio Doce
"Vai
a me levar como se fosse
Indo
pro mar num riacho doce
Onde
ser é ternamente passar
São
vidas pequenas das calçadas
Onde
existir parece que é nada
Mas
viver é mansamente brotar
Muito
prazer de conhecer
Muito
prazer de nessa rua ser seu par
Ao
partilhar do teu calor
Você
liberta a primeira centelha
Que
faz a vida iluminar
A
correnteza me levou
Me
apaixonei em todo cais que fui parar
Cada
remanso um grande amor
Por
esses breves eternos momentos
Que
tive o dom de navegar
São
vida dos belos horizontes
Gente
das mais preciosas fontes
Onde
ser é ternamente brotar
Vai
cantando as voltas do moinho
Onde
a beleza teceu seu ninho
Mas
viver é mansamente passar
Se
fosse meu o seu amor
Se
fosse meu, bem que eu mandava ladrilhar
Se
essa rua fosse minha
Com
diamantes de luz verdadeira
Pra
ver meu amor passar"
Beto Guedes
Rio Doce
"Deposito
em suas águas meu grande segredo
Parto
pra cruzar fronteiras, engrossar fileiras
Compor
meu enredo
Deixo
suas margens ricas sob a sombra lírica da Ibituruna
Una,
pobre sabiá que perdeu seu canto de frases ligeiras
Por
ver se apagar a ilusão ardente
Tão
inconseqüente da paixão primeira
Oh!
Meu Rio Doce, doce são os seios da morena flor
Cor
do seu Ipê
Que
vive sob as gameleiras, pés de jenipapo
Junto
de você
Leva
essa morena no seu leito manso
Faz
o seu remanso se vestir de azul
Que
eu tô levando a minha mocidade
Pras
velhas cidades e praias do sul
Tô
levando a minha mocidade pras velhas cidades
E
praias do sul
Oh!
Meu Rio Doce, doce são os seios da morena flor
Cor
do seu Ipê
Que
vive sob as gameleiras, pés de jenipapo
Junto
de você
Leva
essa morena no seu leito manso
Faz
o seu remanso se vestir de azul
Que
eu tô levando a minha mocidade
Pras
velhas cidades e praias do sul
Tô
levando a minha mocidade pras velhas cidades
E
praias do sul
Que
eu tô levando a minha mocidade
Pras
velhas cidades e praias do sul"
Zé Geraldo
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