terça-feira, 6 de maio de 2014

Um rio doce em primavera.




Um rio doce em primavera.


Da minha janela vejo ao longe, numa manhã de primavera, o correr de um rio doce, que em passadas mansas, feito versos que vagam, e quase vagarosas nesta época do ano, convida o pescador a bater os remos, a jogar a rede, a tocar a viola, a matar a sede, e a contar estórias retiradas de um baú pleno e fértil de imaginação e fantasia – um rio que é doce desde o próprio nome, dependendo, é claro, da estação do ano.

Daqui vejo os meninos a brincar nos ingazeiros que se estendem da outra margem, pulando das copas a sumirem água adentro, enquanto as meninas, que desta ficam, batem as roupas sobre as pedras como quem bate tambores em alegria, oh, meu rio doce, doces são os seios da morena flor; e outros ainda, que atravessam de uma margem à outra, cuja descrição daria até um quadro em harmonia, por ainda estarmos em setembro.

Vejo pedras minguando o cortar destas águas morenas, e corpos pulando de uma a outra até quase ao meio do leito, indo e voltando como quem joga amarelinha. Se tinha uma pedra no meio do caminho? Várias, como obstáculos mudos, transponíveis, elementares, ainda poéticos. E o que dizer dos pássaros? Pois bem, vejo pássaros famintos que descem e sobem cantando e festejando o dia em pura alegria pelo que levam no bico. Vejo, ainda, homens-pássaros que pulam do Ibituruna e fazem sombras correntes no correr das águas.

Da minha janela, por ainda ser primavera, sinto o cheiro das vozes, Hum, é jenipapo correndo de mãos em mãos dando água na boca de quem espera por sua vez. E no subir das pedras, as linhas correm no azul do céu levando uma pipa que sobe banhada em cerol, pois, ainda, é primavera, te amo, é primavera, te amo, sai chuva, e nas corredeiras um poema desce, vai a me levar como se fosse, indo pro mar num riacho doce.

Assim, é tudo que vejo da minha janela entre os galhos das mangueiras no fundo do quintal – pura poesia, que faz sorrir os meus olhos na feição de um quadro vivo e reluzente, cuja vida tem hora e tempo pra morrer, enquanto ainda é primavera, enquanto lá de cima São Pedro dorme mansamente à espera de dezembro, quando é tempo de abrir as comportas do céu e fazer cair as tormentas que irão rasurar a doce pintura por ora desenhada, porém, como dizia Guedes, viver é mansamente brotar, renovando o ciclo em busca de uma nova primavera.


Robson Luiz Veiga
Mestre em Literatura e Crítica Literária PUC Goiás










Rio Doce


"Vai a me levar como se fosse
Indo pro mar num riacho doce
Onde ser é ternamente passar
São vidas pequenas das calçadas
Onde existir parece que é nada
Mas viver é mansamente brotar
Muito prazer de conhecer
Muito prazer de nessa rua ser seu par
Ao partilhar do teu calor
Você liberta a primeira centelha
Que faz a vida iluminar
A correnteza me levou
Me apaixonei em todo cais que fui parar
Cada remanso um grande amor
Por esses breves eternos momentos
Que tive o dom de navegar
São vida dos belos horizontes
Gente das mais preciosas fontes
Onde ser é ternamente brotar
Vai cantando as voltas do moinho
Onde a beleza teceu seu ninho
Mas viver é mansamente passar
Se fosse meu o seu amor
Se fosse meu, bem que eu mandava ladrilhar
Se essa rua fosse minha
Com diamantes de luz verdadeira
Pra ver meu amor passar"

Beto Guedes








Rio Doce


"Deposito em suas águas meu grande segredo
Parto pra cruzar fronteiras, engrossar fileiras

Compor meu enredo
Deixo suas margens ricas sob a sombra lírica da Ibituruna
Una, pobre sabiá que perdeu seu canto de frases ligeiras

Por ver se apagar a ilusão ardente
Tão inconseqüente da paixão primeira

Oh! Meu Rio Doce, doce são os seios da morena flor
Cor do seu Ipê
Que vive sob as gameleiras, pés de jenipapo

Junto de você
Leva essa morena no seu leito manso
Faz o seu remanso se vestir de azul

Que eu tô levando a minha mocidade
Pras velhas cidades e praias do sul
Tô levando a minha mocidade pras velhas cidades
E praias do sul

Oh! Meu Rio Doce, doce são os seios da morena flor
Cor do seu Ipê
Que vive sob as gameleiras, pés de jenipapo

Junto de você
Leva essa morena no seu leito manso
Faz o seu remanso se vestir de azul
Que eu tô levando a minha mocidade

Pras velhas cidades e praias do sul
Tô levando a minha mocidade pras velhas cidades
E praias do sul

Que eu tô levando a minha mocidade

Pras velhas cidades e praias do sul"

Zé Geraldo





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