Convite
à navegação;
uma
conversa sobre a Literatura Portuguesa.
Mar
aberto seria o título que o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago daria ao
romance Jangada de pedra, obra esta
publicada em 1987, e que segundo o enredo, a Península Ibérica se desgarraria
do velho mundo a ancora-se no oceano Atlântico, entre as terras africanas e a
América Latina, numa proximidade linguística e cultural, alegoricamente descrita
neste romance saramaguiano, que discorre sobre o que aconteceria caso esta
península se desmembrasse do continente europeu e vagasse pelo mar, como uma
enorme embarcação a se aproximar, oceano afora, de suas antigas colônias. Mar
aberto também é a obra crítica produzida pela pesquisadora Susana Ramos Ventura,
amante incondicional da literatura lusitana, em relação à construção histórica
e poética da Língua Portuguesa ao longo do último milênio, sobretudo em referência
ao fazer poético traçado pelas linhas ficcionais dos grandes navegantes que
utilizaram este instrumento de comunicação, tais como, Dom Dinis, Gil Vicente, Camões,
Eça, Pessoa, Florbela e Saramago.
Desde
os dez anos de idade, Susana Ventura vem trilhando as estradas poéticas
mediante o ato de leitura, porquanto considera a literatura lusitana uma das
mais ricas e fecundas do mundo ocidental, e que tende a ter, segundo a autora,
maior visibilidade na terra de Drummond a partir da comemoração do Ano de
Portugal no Brasil, evento este que a sensibilizou publicar em 2012, o seu
primeiro livro solo, após um outro, já editado em março de 2010, Ciranda de escritas: reflexões sobre as
literatura do Brasil, Portugal e Áfricas de Língua Portuguesa, em parceria
com a pesquisadora Ana Cláudia da Silva.
Convite
à navegação – uma conversa sobre literatura portuguesa, da professora e
pesquisadora Susana Ramos Ventura, doutora em Estudos Comparados de Literaturas
de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo, publicado pela Editora
Peirópolis, além de conter uma análise histórico-literária do período acima
mencionado, também conta com as belas ilustrações da arquiteta Sílvia Amstalden,
participante do grupo Charivari, em seu décimo trabalho artístico desta
natureza, que numa linguagem singular em forma de imagens, enobrece ainda mais
esta obra de Ventura, situando-a como um convite a uma viagem ao mar aberto da
Língua Portuguesa, desde a origem, quando ainda se falava o galego-português na
terra de Camões - língua essa que teria nascido do latim vulgar, se mesclando
depois à chamada língua moçárabe, devido à influência peculiar dos povos mouros
que ocuparam do século VIII até o século XII o território lusitano.
Entre
a historiografia oficial e à graça da poesia, Ventura inicia sua viagem
escritural ao falar das “doces águas da
poesia”, atravessando os pireneus à caça da poética trovadoresca produzida
oralmente em Provença, e de lá trazendo numa tradução livre o canto do amor de
Bernart de Ventadorn, como expresso na bela estrofe, “Cantar não pode valer de nada, se não parte do fundo do coração; e
para comover é preciso que lá dentro exista um verdadeiro Amor. Por isso minha
poesia é perfeita, porque para gozar plenamente o Amor emprego a boca, os
olhos, o coração e o saber”, por onde, o rei sábio, Afonso X, haveria de
trazer as cantigas daquela terra e abrir espaço aos trovadores, que, num
determinado tempo, haveria de produzir não somente uma gama de cantigas de
amor, como também a inovação ao criar a cantiga de amigo, que “Imersa num contexto social, a mulher aparece
numa fonte, sob galhos de árvores ou junto ao rio, onde lava roupa ou se
prepara para tomar banho. Em algumas dessas canções, ela lembra ou espera pelo
amado, evocando sua presença em conversa com elementos da natureza”, como
expressa a Ventura.
Como
um trabalho singular que oferece ao leitor uma visão peculiar, desde D. Dinis a
Saramago, numa linguagem que comporta, tanto o iniciante ao universo da
literatura portuguesa quanto ao acadêmico, ao sabor de um bate-papo, Ventura se
propõe ao longo do texto, após visitar os trovadores, encaminhar neste diálogo
o cronista maior Fernão Lopes, por sua visão de conjunto ao elaborar suas
crônicas, “dando relevo, pela primeira
vez, ao povo, que considerou como agente de transformações históricas”, para
logo após, encaminhar o leitor ao teatro de Gil Vicente, “cuja obra reflete características medievais e também renascentistas”,
tendo por destaque, neste navegar de Ventura, os autos e as farsas vicentinas.
O
convite à navegação na qual empreende Ventura se encerra ao discorrer sobre a
singularidade poética das linhas de Camões, sobretudo, ao pontuar os meandros
que cercaram a produção camoniana em torno do mais famoso poema épico em Língua
Portuguesa, no caso, Os Lusíadas,
como cântico a exaltar o povo português na época das grandes navegações, que
salvando o manuscrito da obra num naufrágio, deixou em águas profundas sucumbir
o corpo da amada Dinamene. Esta epopeia teve sua publicação referendada pelo
rei Dom Sebastião em 1572, “como uma obra
plena das aspirações do ser humano da Renascença”, cujo autor, não
suportando a perda misteriosa de autonomia de seu amado país em favor da
Espanha em 1580, chegou a declarar em carta que “acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha pátria que
não me contentei em morrer nela, mas com ela”, sintetizando em palavras o
que sentira naquele determinado momento mediante o domínio espanhol.
No interior desta viagem, Ventura se ancora
em suas ponderações, ao considerar pertinente ao seu processo de escritura, o
diálogo entre variados pesquisadores e críticos relacionados ao tema, tais
como, Nelly Novaes Coelho que considera Camões a primeira grande voz a cantor o
amor em terra lusitana, “como a grande
via interior que leva os homens à mais plena realização existencial”,
porquanto Paul Teyssier considera a partir daí, a constituição do português
clássico, que doravante poucas alterações iriam ocorrer em relação à morfologia
e à sintaxe. Além destes, esta navegação conta com certas ponderações do
renomado professor e pesquisador Benjamin Abdala Júnior, bem como, do filósofo
português Eduardo Lourenço e de Cleonice Berardinelli, esta que, relaciona o
processo de escritura da obra Os Lusíadas
ao contexto na qual a mesma fora escrita por Camões.
Ao
conversar com o leitor, embora utilizando a pena para tal finalidade, Susana
Ventura neste livro, convida-o a navegar pelos mares da inquieta e robusta
língua de Camões, nem que seja numa rede preguiçosa pra deitar, caso o mesmo
não esteja à beira do Tejo, ao frescor das oliveiras, ou mesmo em sintonia do
fado lusitano, pois, como diria Pessoa, “tudo
vale a pena quando a alma não é pequena”, presente no curto poema Mar português, ficando doravante, o
convite ao amante da eterna Língua Portuguesa a navegar por mares, já ou nunca dantes
navegados, e como salienta a autora, “que
nos encantam ou que estamos por descobrir”, ou quem sabe ainda, por
redescobrir.
Mestrando em Literatura e Crítica Literária PUC-Goiás
Drª Susana Ramos Ventura
Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, com
tese sobre os romances de José Saramago, Mia Couto e Ana Maria Machado.
Pesquisadora do Centro de Literaturas Lusófonas e Europeias da Universidade de
Lisboa (CLEPUL) e do Centro de Pesquisas sobre os Mundos Ibéricos
Contemporâneos (CRIMIC), da Sorbonne (Paris IV). Autora de Convite à navegação:
uma conversa sobre literatura portuguesa e Eu, Fernando Pessoa em quadrinhos
(Editora Peirópolis).
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