Em
tempos tão difíceis como aqueles, década de 1970, onde tudo era mais estreito, era
um prazer viajar no mundo mágico das estórias contadas por minha querida avó,
dona Vitalina Fraga, na beirada romântica da lua cheia, ao pé do morro do
Ibituruna, às margens do Rio Doce. Ainda sinto o cheiro e o gosto frenético do
jenipapo de Minas, quando relembro daqueles doces e significantes instantes.
Assim,
reuniam-se todos os netos, em forma de círculo, ao pé da mangueira, e sempre
havia um que dizia, “vó, conta pra gente aquela estória”, e vovó dizia, “mas de
novo, aquela estória?”. Aí, tome estórias, de Lobisomem a Mula-sem-cabeça, e
outros personagens lendários, sempre mesclados com personagens reais do tempo
de minha avó, tendo no bojo do enredo, o estatuto do gênero maravilhoso, que se
fazia presente na oralidade das palavras e nas gesticulações que minha avó
criava. E ela sempre jurava ao chegar o
fim de cada estória que era tudo verdade, pois ela vira tudo aquilo com os seus
próprios olhos, ou às vezes com os olhos da sua própria mãe, e nós, como toda
criança, inocentes, acreditávamos piamente em cada signo, pois ao dormir, era
difícil não abrir os olhos e verem bem de perto todas aquelas criaturas.
E
foi lendo, nesta semana, as obras que compõem a escritura da literatura
infantil de Maria de Fátima Gonçalves Dias, entre outras, O castelo da Branca de Neve, Os cabelos de Rebeca, O bezerro e a
rainha, A pedra furada, A sopa de pedras e A sopa de Viaro, que cheguei a
lembrar desses doces e prazerosos momentos do passado. Momentos raros na
contemporaneidade, previstos pelo alemão Walter Benjamim, no seu aclamado
ensaio “O narrador”, cuja modernidade estaria contribuindo para o fim da
narrativa oral, por não saber mais o homem, intercambiar suas experiências em
forma de narrativas. E claramente, nos dias de hoje, dá pra notar o quanto a
figura mítica da avó, metaforizada por Monteiro Lobato na obra Sítio do Picapau
Amarelo, pela figura de Dona Benta, contadora de estórias, já não faz mais
parte deste mundo.
Por
assim dizer, os contos infantis de Maria de Fátima Gonçalves Dias, que além de
professora é crítica literária, seriam um resgate dos contos infantis da
tradição oral, através das lembranças da figura de sua avó, como faz menção a
própria autora na contracapa do livro, que “para realizar este trabalho busquei
minhas reminiscências de criança, quando minha avó Maroca contava cantando
essas histórias”, recriando, tais contos, numa atualização discursiva que chama
a atenção do leitor, à procura de extrair o sentido da obra numa relação
dialógica com o texto no ato da leitura, sendo, até então, um coautor da obra
de arte ao contribui na produção de sentidos no ato da recepção do texto, como
teorizava os críticos literários Jaus e Iser, sobre a teoria e o efeito da
recepção estética da obra de arte.
Segundo a pesquisadora paraense, Cirlene da
Silva Andrade, Mestre em Literatura e Crítica Literária, em seu aclamado ensaio
Dialogismo e recepção estética na obra de
Maria de Fátima Gonçalves Dias, a linguagem apresentada pela autora nos
contos, funde o tradicional dos contos populares a uma nova postura estética,
num diálogo permanente com a literatura oral, a mitologia grega e passagens
bíblicas, cujo leitor, é levado ao “desvendamento das metáforas analógicas, dos
símbolos metafóricos e da construção do maravilhoso, e ainda a identificação da
referência ao mito”, através do ato da leitura, atribuindo sentido na obra de
arte literária, por onde a significação encontra-se na junção, entre a linguagem
verbal e a imagética, presente nestas obras.
Robson
Luiz Veiga
Mestrando
em Literatura e Crítica Literária
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