domingo, 24 de fevereiro de 2013

Vai, menina, ser-gauche-na-vida!




Vai, menina, ser-gauche-na-vida!



Numa tarde dessas, em que a chuva pede pra cair, mas o sol soberanamente lhe ordena a ficar, deixe-me deleitar nas curtas linhas do pequeno livro Oficina de leitura, da pesquisadora, tradutora e crítica literária Rosemary Arrojo, adepta fiel da consagrada concepção denominada de "Desconstrução", surgida ainda na década de 1960, através da pena do francês Jacques Derrida.

Ao me deparar com a entrada do capítulo 6, denominado de “Exercícios de tradução”, me detive longamente na releitura dos versos do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade – Poema de sete faces, numa análise minuciosa, apresentada por Arrojo, ao comparar o texto original com a tradução em língua inglesa, da poetisa norte-americana Elizabeth Bishop – Seven-sided poem, após, é claro, o ato de leitura e interpretação da própria Rosemary Arrojo, estabelecendo assim, as diferenças de significado que a mesma fizera da leitura do original em referência à leitura sugerida pelo texto traduzido.

Até aí, tudo bem, deu pra perceber que o processo de tradução de um texto poético, seguindo a linha da corrente contestadora, se origina após o processo de leitura e interpretação, numa perspectiva que delineia o leitor como coprodutor de significados, pois, segundo Arrojo, “ler um poema significa aceitar um convite implícito à criação”, cujo texto, por não ser pronto e acabado,  é uma obra aberta aos olhos do receptor.



De repente, entre o original, produzido por Drummond, o trabalho de leitura e interpretação de Arrojo, bem como, a tradução de Bishop, busquei na feira do tempo, conscientemente, a figura ímpar da educadora paraense Simone Bahia, como sendo o reflexo da simbologia do “ser-gauche-na-vida”, segunda a interpretação de Arrojo, na qual significaria “não ser como os demais, ou pensar como os demais”, mas por ter uma atitude ímpar, singular, entre muitos, e por dizer aberto em sua ética profissional, tatuado em seu espírito uma postura crítica, um dos mais belos versos da musicalidade brasileira – “Não sou escravo de ninguém, Ninguém senhor dos meus domínios”, como pregava Renato Russo, “porque repetir o mundo, ou rimar com ele, não é uma solução”, utilizando aqui, as palavras de Arrojo.




No caso da professora Simone Bahia, um verdadeiro “metal contra as nuvens”, seguindo a linha poética do líder da Legião Urbana, o sistema resolveu lhe castigar por ser-gauche-na-vida, e por não ser um Raimundo a rimar, exonerando-a do cargo de coordenadora pedagógica à professora das séries iniciais. Uma prova viva de que ainda precisamos democratizar a democracia, como bem afirmou a ex-senadora Marina Silva, principalmente em se tratando da rede pública de ensino, cujo princípio básico deveria no abrir das tuas portas, incentivar o hábito da fala crítica dos sujeitos que produzem o processo de ensino-aprendizagem, a fim de que os estudantes possam tê-los como modelos a serem observados como elementos atuantes em prol do desenvolvimento social e cultural.

Afinal, em termos de educação, é melhor ser-gauche-na-vida, correr perigos e correr mundos, do que ficar a viver feito muitos Raimundos, num trabalho que só os papagaios nasceram para tal fim: a repetição do repetível, assentada em versos como estes do Maluco Beleza, “É você olhar no espelho, Se sentir um grandessíssimo idiota, Saber que é humano, ridículo, limitado, Que só usa dez por cento de sua, Cabeça animal”.


Robson Luiz Veiga
Mestrando em Literatura e Crítica Literária

Um comentário:

  1. "Serei-gauche-na-vida!" E com clareza das coisas volto a te dizer que o teu reconhecimento é inigualável Robson Veiga e de suma importância aos profissionais que pretendem fazer a diferença na educação.

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